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Publicado em O Estado de S. Paulo, 01/06/2004.

Desemprego: desencontro de números e explicações

A inflação dos preços parece bem comportada. Mas a inflação dos números do mercado de trabalho continuam disparados. As taxas de desemprego atordoam. As taxas de emprego animam. O que dizer desse desencontro?

Comecemos pelo desemprego. No mês de abril de 2004, enquanto o IBGE detectou 14,5% de pessoas desempregadas em São Paulo, o Scade/DIEESE revelou 20,7%. É uma diferença enorme. Qual é a taxa certa?

As duas. Trata-se de conceitos diferentes. O IBGE mede apenas a proporção da população economicamente ativa que esteve sem trabalho nos últimos 30 dias (desemprego aberto). O Seade/DIEESE inclui nessa cifra as pessoas que foram atingidas pelo chamado desemprego oculto (por exercerem atividades precárias ou estarem desalentadas).

Quando se comparam apenas as taxas de desemprego aberto, o Seade/DIEESE revelou um número muito próximo ao do IBGE para São Paulo naquele mês - 13,2%.

Contrastemos agora o desemprego com o emprego. Para o Brasil, como vimos, o IBGE registrou um desemprego de 13,1% da população economicamente ativa, enquanto o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho) identificou um saldo positivo de 187 mil vagas no mês de abril.

A explicação de desemprego e emprego crescentes reside no fato de o número dos que procuram emprego ser superior ao das vagas existentes. Ademais, as informações do Caged são coletadas junto às empresas e órgãos públicos e se referem apenas a "empregados" do mercado formal; as do IBGE são coletadas junto a domicílios e se referem a empregados, trabalhadores por conta própria e empregadores dos mercados formal e informal.

Esclarecidas as confusões, o que dizer do mercado de trabalho? Vai mal ou vai bem?

O governo anunciou que, entre janeiro e abril de 2004, foram criados mais de 534 mil empregos formais em todo o Brasil. Isso dá uma média de 133 mil empregos por mês. Está melhor do que em 2003 - uma catástrofe - com uma média mensal de apenas 83 mil postos de trabalho formais.

São números alentadores, sem dúvida. Mas o estoque de desempregados no Brasil é de aproximadamente 10 milhões de pessoas. Na base de 133 mil empregos formais por mês levaríamos cerca de sete anos para acomodar os desempregados atuais.

Mas o problema é mais greve porque, anualmente, chegam ao mercado de trabalho quase 2 milhões de jovens que precisam trabalhar. Os 133 mil empregos mensais não dão sequer para acomodá-los.

Quando se olha para o déficit de vagas levando-se em conta os desempregados e os que chegam ao mercado de trabalho, vê-se que o quadro é dramático e de solução demorada.

Para absorver os desempregados e os recém-chegados, o Brasil terá de fazer crescer seu PIB em mais de 5% anuais durante dez anos - bem acima dos 3,5% projetados para 2004. Além disso, a educação da força de trabalho terá de saltar da média atual de 4,5 anos de escola para, no mínimo, 8 anos - o que exige mais de dez anos de trabalho sério na melhoria das condições das escolas, dos professores e das famílias.

E, se formos pensar em melhorar a qualidade dos empregos, teremos de implantar uma nova legislação trabalhista e previdenciária para acomodar na formalidade os atuais 60% de trabalhadores informais - 50 milhões de pessoas!

Ou seja, a precariedade das condições do mercado de trabalho no Brasil não é nova nem será eliminada no curto prazo. Nesse meio tempo, conviveremos com o quadro atual - oxalá um pouco melhorado.

Por enquanto temos de engolir em seco as explicações da tecnocracia segundo as quais o desemprego não é devido à falta de vagas, mas ao excesso de pretendentes.

Isso é inaceitável do ponto de vista social. Mas é a desculpa governamental que se estende a outros campos. Quando as crianças ficam fora da escola, não é por falta de vagas, mas por excesso de nascimentos, assim como a precariedade dos benefícios dos aposentados e pensionistas não se deve à falta de recursos, mas sim à insistência dos velhinhos em querer viver mais tempo.

No caso do desemprego, não faz sentido jogar a culpa na juventude, que, tendo se diplomado ou ainda estudando, sai à procura de trabalho por acreditar ser essa a maneira mais digna de ganhar a vida e construir uma família. Tecnocratas de todo o Brasil, uni-vos em favor dos que desejam trabalhar.