Publicado em O Estado de S. Paulo. 25/05/1999
Possibilidades e limites das frentes de trabalho
Para o sucesso de um programa de criação de vagas é importante controlar o "efeito substituição"
Em artigo recente, procurei demonstrar que as frentes de trabalho têm boa chance de aliviar os problemas dos trabalhadores numa situação de forte desemprego como a que ocorre nas regiões metropolitanas do Brasil atual (José Pastore, "Frentes de trabalho", Jornal da Tarde, 19/5/99).
A literatura a respeito, porém, registra alguns riscos que podem inviabilizar as boas intenções de programas de serviços públicos como o das frentes de trabalho (Peter Gottschalk, The Impact of Changes in Public Employment on Low-Wage Labor Market, 1998).
Convém meditar a respeito, pois o exame desse riscos pode permitir a eliminação total ou parcial dos programas que ora estão sendo gestados no âmbito dos governos federal, estadual e municipal do Brasil.
Em tese, a abertura de vagas em frentes de trabalho ajuda a reduzir o desemprego. Mas isso precisa ser feito levando em conta os efeitos secundários dessa estratégia. Dentre eles, tem, especial destaque a questão da "substituição".
Os empregos criados pelas frentes de serviços públicos não podem reduzir o emprego em outros setores. Portanto, para evitar a anulação das boas intenções das frentes de trabalho é muito importante controlar o "efeito substituição". O sucesso das frentes de trabalho vai depender de uma série de "se".
- Se os recursospara as frentes de trabalho implicarem cortes de investimentos públicos em programas que gerariam uma maior quantidade e melhor qualidade de empregos, o saldo final será negativo – e isso precisa ser evitado;
- se os recursos vierem de tributos adicionais, os empregos públicos criados pelas frentes de trabalho podem ser "zerados" pela destruição de postos de trabalho no setor privado;
- se as atividades criadas pelas frentes reduzirem a oferta de trabalho de determinado tipo de mão-de-obra para o setor privado, isso induzirá a um aumento dos salários e, nesse caso, as empresas vão provocar rotatividade, buscando trabalhadores de menor remuneração – os alvos das frentes de trabalho;
- se as frentes de trabalho produzirem bens e serviços que são produzidos pelo setor privado - sem que haja um aumento da demanda agregada -, os efeitos das frentes públicas poderão ser anulados pelas dispensas privadas;
Nenhum desses riscos diminui o valor das iniciativas dos governos em relação às frentes de trabalho. Trata-se de alertas a ser observados para que se obtenha o máximo de proveito dos recursos ali investidos.
Os programas de serviços públicos foram (e ainda são) muito usados como uma das principais políticas ativas no campo do emprego dos países desenvolvidos.
Nos Estados Unidos isso está em desuso, pois o país enfrenta atualmente uma grave falta de mão-de-obra, exibindo uma invejável taxa de desemprego de apenas 4,3%. Mas os programas de serviços públicos foram adotados com sucesso para aliviar os estragos causados pela Depressão dos anos 30, tendo sido reeditados e instituídos, com algumas modificações, nos anos 70 e 80.
Na Europa, em especial na Escandinávia, tais programas são usados com muita ênfase até hoje. A Suécia investe 8% do seu PIB em políticas ativas de criação de emprego; a Bélgica e a Holanda, 7%. Em todos esses países, os riscos acima relacionados são rigorosamente observados e afastados.
Ademais, com raras exceções, os programas de emprego público são sempre de curta duração e usados apenas nas situações emergenciais de desemprego alto e/ou com grupos vulneráveis (pessoas deficientes, trabalhadores com baixa educação, jovens, pessoas de meia-idade, migrantes, etc.).
Tomados esses cuidados, as frentes de trabalho que estão sendo montadas no Brasil devem produzir bons resultados.
Infelizmente, a expressão "frentes de trabalho" carrega consigo um forte estigma decorrente dos fracassos e das condições desumanas a que foram submetidos, décadas a fio, os nossos irmãos do Nordeste, onde seu trabalho era francamente classificado como inútil e os desvios de recursos sistematicamente utilizados para engordar a secular indústria da seca daquela região.
Não há menor razão para se repetirem aqueles erros. Ademais, as pesquisas sobre mercado de trabalho e políticas de emprego avançaram muito nos últimos 20 anos e podem servir de bom apoio para garantir resultados positivos e tratamento condigno aos que vão trabalhar naqueles programas. Por isso, vamos em frente com as frentes!
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