Publicado em O Estado de S. Paulo, 08/12/1998
O setor do sexo
Apesar das atividades do sexo serem as mais antigas do mundo, poucos se animaram até hoje a tratar esse setor como um segmento do mercado de trabalho.
No entanto, os postos de trabalho ligados ao sexo são imensos. Os provedores diretos de sexo (prostitutas e prostitutos), constituem a minoria dos trabalhadores desse setor - menos de um quinto.
Os outros quatro quintos estão no trabalho indireto - "o pessoal de apoio" - como é o caso dos garçons e garçonetes, porteiros, seguranças, guardadores de carro, faxineiros dos night-clubs, bares, motéis, casas de massagem, agenciadores de call-girls, organizadores de pacotes de turismo sexual, etc.
O setor do sexo não é reconhecido tampouco como um setor econômico ao lado da agricultura, indústria, comércio e serviços. Os seus resultados não fazem parte das estatísticas oficiais, dos planos de desenvolvimento e dos orçamentos dos governos.
No entanto, na maioria dos países, as atividades do sexo respondem por 1% a 2% do PIB - o que não é pouco. Há casos em que isso ultrapassa a casa dos 10%. Na Tailândia, as estimativas mais conservadoras indicam que o sexo gera quase US$ 20 bilhões por ano, 14% do PIB!
Razões de ordem religiosa, cultural e social sempre levaram a maioria dos governos a tratar os serviços do sexo dentro da esfera do proibido e do condenável.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) decidiu assumir uma atitude objetiva e acaba de publicar um livro que estima os empregos gerados por esse setor, a remuneração dos que nele trabalham e a contribuição de suas atividades na formação da renda nacional (Lin Lean Lim, The Sex Sector, OIT, 1998).
O mercado de trabalho do sexo é bastante segmentado. Ironicamente, os integrantes do pessoal de apoio têm condições de trabalho bem mais favoráveis do que os provedores de sexo. Muitos fazem parte do mercado formal, são protegidos pela seguridade social, desfrutam de férias, abonos e têm outras garantias sociais. Isso não acontece com os provedores de sexo. A garçonete do night-club, que está mais protegida, perde a proteção quando cruza a linha do seu segmento e passa a prover sexo.
No sudeste asiático, o mercado de trabalho do sexo é colossal. A Indonésia, tem cerca de 200 mil prostitutas; as Filipinas, 250 mil; a Tailândia, 300 mil; a Malásia, 500 mil. Só nesses países, há mais de 1,2 milhão de provedores de sexo o que deve gerar, no mínimo, 5 milhões de postos de trabalho, com o pessoal de apoio.
No Brasil, há cerca de 500 mil provedores de sexo (Gilberto Dimenstein, Meninas da Noite, 1997), o que deve responder por 2 milhões de postos de trabalho indiretos.
O setor do sexo já é parte do comércio internacional. São inúmeros os países que exportam e importam provedores de sexo e que organizam viagens de recreio com finalidade de sexo. O Brasil tem exportado moças, particularmente, para a Espanha, Portugal,Itália, Suíça e Israel e recebido grupos estrangeiros que aqui buscam diversão sexual. O Ministério da Justiça possui dezenas de processos abertos no campo do tráfico de mulheres e exploração do turismo sexual.
As atividades de sexo funcionam como mecanismos de distribuição de renda. A maioria das prostitutas das cidades vêem da zona rural e remetem para suas famílias uma quantidade expressiva de recursos que, em muitos casos, supera o que gastam os governos nos programas sociais.
Os jovens que chegam à cidade, com pouca escolarização, encontram no comércio do sexo, uma oportunidade ímpar. Os serviços do setor proporcionam uma renda muito mais alta do que qualquer outra ocupação de baixo nível educacional.
A pobreza não é impecilho para o comércio sexual pois, as prostitutas tendem a ajustar o seu preço ao poder de compra dos clientes. Toda periferia de cidade e cinturão de pobreza no Brasil oferece oportunidades de sexo ajustadas à renda dos usuários. Quando o poder de compra sobe, porém, o sexo se sofistica, gera mais renda e cria mais trabalho para o pessoal de apoio.
Para os países que desejam combater o comércio de sexo entre adultos, a OIT recomenda políticas geradoras de bons empregos; elevação do nível de educação dos grupos de risco; e, interinamente, melhoria das condições de trabalho dos que vivem de sexo, mas condena violentamente a prostituição infantil por se tratar de uma gravíssima violação dos direitos humanos.
Entre os adultos, a pessoa entra no mundo do sexo porque gosta ou, principalmente, por que precisa. Entre as crianças, essas alternativas são inaceitáveis. A prostituição infantil é a mais intolerável forma de exploração humana. Por isso, nesse caso, a repressão tem tanta importância quanto a educação.
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