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Publicado em O Estado de S. Paulo, 31/05/2005.

Trabalhar menos para gerar mais empregos?

Uma das idéias mais intuitivas no campo do trabalho é a de que, reduzindo a jornada de trabalho por lei, pode-se gerar mais empregos. Guy Aznar, economista respeitado, publicou um livro com um título sedutor: Trabalhar menos para trabalharem todos, São Paulo: Editora Scritta, 1993.

A partir desse livro, as centrais sindicais do Brasil passaram a fazer cálculos. Em 1997, a Força Sindical defendeu a idéia de reduzir a jornada semanal de 44 para 30 horas, estimando uma geração de 4,4 milhões de postos de trabalho. Na mesma época, a CUT previu que, passando gradativamente de 44 para 32 horas semanais até 2008, isso criaria 3,6 milhões de novos empregos.

Em 2003, as centrais se uniram para defender uma redução imediata da jornada semanal de 44 para 40 horas, sem redução do salário e com proibição de hora extra. O DIEESE, seu órgão técnico, estimou a criação de 2,8 milhão de postos de trabalho (DIEESE, Reduzir a jornada é gerar empregos, 2004).

O fato é que papel aceita tudo. O importante é ver como isso funciona na prática.

Poucos são os países que adotaram a estratégia de reduzir jornada de trabalho por lei. A França fez isso duas vezes. Na primeira vez (1982), a jornada semanal foi reduzida de 40 para 39 horas e na segunda vez (2000), de 39 para 35 horas. Nos dois casos o desemprego aumentou. Os franceses não conseguira gerar as horas adicionais de trabalho – o que realmente conta para empregar mais trabalhadores.

O Brasil reduziu a jornada semanal de 48 para 44 horas via mudança constitucional em 1988, e o desemprego aumentou de 5% em 1989 para 11% em 2004 (média). O que aconteceu na prática? A redução legal determinou nas empresas uma redução efetiva. Dois terços dos trabalhadores que tinham jornadas entre 45 e 48 horas, acompanharam a redução praticada pelas empresas e tiveram sua jornada reduzida para 40 a 44 horas semanais. Em conseqüência, o emprego não cresceu, o número e horas trabalhadas caiu e o salário diminuiu (José Marcio Camargo e Gustavo M. Gonzaga, "Efeitos da Redução da Jornada de Trabalho sobre o Mercado de Trabalho no Brasil", Rio de Janeiro: Departamento de Economia da PUC, 2000).

Nesse campo, os países que têm apresentado mais sucesso são os que reduziram a jornada por negociação, respeitando as peculiaridades das empresas e do mercado de trabalho. Quando a redução da jornada não afeta o custo do trabalho e há mão-de-obra qualificada disponível, os resultados são positivos. A negociação permite ampliar o emprego de forma ajustada às realidades das empresas e dos trabalhadores.

Jornadas definidas por lei são inflexíveis e por Constituição são petrificadas – o que impede qualquer tipo de ajustamento nas crises e nas bonanças. É por isso que elas têm se mantido constantes na maioria dos países. A União Européia definiu a jornada legal em 48 horas por semana. Alemanha, Chipre, Dinamarca, Grécia, Hungria, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Malta, Portugal e Inglaterra já haviam aderido a esse padrão em 2003(EIRO, Working Time Developments – 2003, Dublin: European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, 2004). Outros países aderiram em 2004 e há um grupo ainda se ajustando à nova regra legal.

Quando a concorrência aperta ou surgem outros problemas, as próprias jornadas negociadas são modificadas. A modificação mais frequente nos últimos anos tem sido para alongá-las. No período de 1995 a 2004, por exemplo, a Holanda aumentou o número de horas trabalhadas em 1,8%; o Canadá, 1,9%; a Irlanda, 2,5%; e a Espanha, 3,5% (Total Hours Worked, The Economist, 19/02/2005). Muitas empresas da União Européia vêm alongando a jornada de trabalho, pelo mesmo salário, para evitar a sua mudança para países do leste europeu, onde a qualidade da mão-de-obra é boa e os salários, benefícios e encargos sociais são baixos.

Por isso, convém pensar bem antes de se partir para uma nova mudança constitucional que venha a reduzir ainda mais a jornada de trabalho sem redução de salários no Brasil. O mais indicado é deixar essa matéria para negociação, como faz a maioria dos países do mundo, inclusive o nosso.