Publicado em O Estado de S. Paulo, 09/06/1998
Roupa dá emprego?
Em 1997, a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) reduziu em 50% as importações de confecções da China até o ano 2.000 com vistas a proteger a indústria nacional que, entre 1995-96, sofreu uma queda de 12% no faturamento e destruiu 30 mil postos de trabalho - ao mesmo tempo em que as importações de camisas chinesas cresceram 433%.
Essa medida não conseguirá barrar por completo a entrada de confecções estrangeiras no Brasil. Os asiáticos mudam os produtos da noite para o dia, alterando tecidos, padronagem e modelos de modo a fazer surgir inúmeras novas roupas que acabam ficando de fora das restrições impostas. Ou seja, mas cedo ou mais tarde, o Brasil terá de introduzir inovações se quiser voltar a produzir e empregar no limite do potencial que esse setor permite.
A indústria de confecções emprega 24 milhões de trabalhadores no mercado formal do mundo e mais de 100 milhões no informal – 70 milhões na Ásia. No Brasil, são cerca de 730 e 600 mil, respectivamente. Podemos crescer muito no mercado formal, pois o setor é um dos que mais gera empregos por R$ milhão investido.
O Brasil tem inúmeras vantagens comparativas e poderia tirar proveito de tudo isso. O nosso potencial de fibras naturais, artificiais e sintéticas é grande. A capacidade de dominar as novas tecnologias já foi demonstrada pelas empresas que lideram o setor. E a capacitação de pessoal nessa área vem avançando rapidamente com o apoio do SENAI e outras escolas técnicas.
Apesar da indústria de confecções ter passado também por uma extensa transformação tecnológica, o setor ainda utiliza muita mão-de-obra. As atividades de design, engenharia e corte estão se informatizando e mecanizando aceleradamente, mas as tarefas de costura, inspeção, acabamento e embalagem usam bastante trabalho, em especial, de mulheres.
No final dos anos 60, as empresas americanas migraram em direção à Ásia em busca de mão-de-obra barata e flexível. Primeiro foi o Japão; depois Hong Kong; em seguida, Coréia, Taiwan, Tailândia, Malásia, Filipinas; posteriormente, Bangladesh, Índia e China.
O aumento do emprego foi impressionante. Entre 1970-90, os postos de trabalho cresceram 137% na Coréia; 271% nas Filipinas; 334% na Indonésia; 385% em Sri Lanka; 416% em Bangladesh; e 597% na Malásia!
Com a implantação do NAFTA, em 1994, muitas empresas americanas passaram a investir no México. No período de 1995-97, a participação das exportações mexicanas nas compras dos Estados Unidos subiram 50% enquanto que as asiáticas (com exceção da China) passaram a decrescer. Foi o início da volta às Américas e o Brasil poderia muito bem ter tirado proveito disso, em lugar de destruir postos de trabalho como, de fato, ocorreu.
Nas confecções, salário, encargos e flexibilidade são cruciais. O custo-hora na Tailândia é de apenas US$ 0.46; na Índia, US$ 0.35; na China, US$ 0.21; e na Indonésia, US$ 0.18 (Edna Bonacich, Global Production in the Apparel Industry, 1994). Um trabalhador mexicano custa US$ 1.50 por hora; um costarriquenho, US$ 1.00 e um haitiano, US$ 0.60. No Brasil, US$ 3.25 – todos com encargos sociais.
As roupas são contratadas por grandes atacadistas que determinam moda, preço e condições de pagamento. O seu poder de fogo é enorme. A Liz Claiborne compra US$ 2 bilhões por ano; a Sara Lee, US$ 4; e a Levi Strauss US$ 5!
Os atacadistas apertam os produtores que, por sua vez, subcontratam a produção com pessoas que, na Ásia e América Central, trabalham envolvendo vizinhos, parentes e amigos na costura de punhos, golas, colarinhos e correções.
A própria moda exige velocidade. Os estilos variam rapidamente e demandam adaptações sutis e grande agilidade nos modos de produzir e comercializar as roupas. Isso requer uma legislação trabalhista amigável e flexível.
Os postos de trabalho gerados pelas confecções ajudam muitas mulheres de menos qualificação e que trabalham em casa ou em cooperativas, conciliando os afazeres domésticos com as atividades econômicas. As confecções representam para as mulheres o que a construção civil significa para os homens: um precioso potencial de trabalho.
Mas, para se passar do potencial à realidade, a legislação trabalhista brasileira precisa se ajustar às peculiaridades do setor, abrindo espaços para o trabalho por empreita, subcontratado, realizado em casa, em cooperativas saudáveis, etc. Em suma, o Brasil precisa de leis que garantam as proteções mínimas para os trabalhadores sem, no entanto, encarecer demasiadamente o trabalho formal.
é verdade que as confecções no Brasil enfrentam os obstáculos dos juros (que afetam toda a economia) e o do livre trânsito de roupas contrabandeadas que continua resistindo até mesmo as proibições da CAMEX.
Mas, para se reativar o setor e tornar as empresas competitivas, a modernização das leis do trabalho é urgente e constitui uma importante ajuda para estimular a expansão do emprego formal para um segmento da força de trabalho que hoje pressiona fortemente as taxas de desemprego: as mulheres.
Não é possível continuarmos com a mesma legislação para os setores automobilístico, petroquímico, de informática, de calçado, confecções, agricultura, pecuária, etc. em um mundo que se torna cada vez mais heterogêneo e que força as empresas a competirem mundialmente. Manter essa homogeneidade é conspirar deliberadamente contra o emprego.
|