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Publicado em O Estado de S. Paulo, 27/05/1998

A dinâmica do mercado de trabalho

O mercado de trabalho vem passando por enormes transformações. Apesar disso, as modificações que ocorrem no seu interior são pouco conhecidas. Raros são os estudos que acompanham o deslocamento dos postos de trabalho e o trânsito dos indivíduos entre postos e profissões.

A pesquisa mensal de emprego (PME) realizada pelo IBGE em abril de 1996 permite explorar os meandros do mercado de trabalho. Os dados, referentes às seis regiões metropoli-tanas da PME, oferecem uma rara oportunidade de se analisar a situação dos mesmos indivíduos ao longo de cinco anos.

Os primeiros resultados dessa análise foram apresentados no relatório de Ana Maria Bianchi e José Pastore, A Dinâmica das Ocupações no Brasil, 1997. Entre 1991-96, o número de pessoas que trabalhavam na indústria de transformação diminuiu cerca de 18%; na construção civil, houve aumento de 6%; e no comércio e serviços, mais de 8%.

Dentro de cada setor, a composição ocupacional variou bastante. As mudanças mais impressionantes ocorreram nos serviços. Em apenas cinco anos, a proporção de pessoas que trabalhavam em atividades de diversão, rádio e TV aumentou 34%. Nos serviços pessoais, o incremento foi de 25%; nas atividades de alojamento e alimentação, 22%; nos negócios de fast-food e vendedores de rua, 19%; nos serviços domiciliares, 18%; na área tecnico-profissional, 12%. O Brasil metropolitano evolui para uma sociedade de serviços.

Ao lado das atividades que se expandiram, houve as que passaram por retração. A proporção dos que trabalhavam em instituições financeiras diminuiu 32% em apenas cinco anos. No comércio de imóveis, a redução foi de 13%; na administração pública, 8%; e na segurança pública, 6%.

Há ocupações que, por sua natureza, retêm os seus ocupantes por muito tempo na mesma atividade. Intuitivamente é fácil entender que 88% dos que trabalhavam como médicos em 1991 permaneceram como médicos em 1996; entre os advogados, 77%; e entre os professores de primeiro grau, 71%.

Há outras ocupações, porém, para as quais essa permanência não é tão intuitiva. é o caso dos motoristas (80%), alfaiates e costureiros (77%), cabeleireiros (75%), pedreiros (72%), manicuras (67%) e empregadas domésticas (63%). Essas profissões são mais estáveis do que se pensava.

No outro extremo aparecem as ocupações de baixa permanência e que, na verdade, funcionam como trampolim para uma carreira em outras ocupações. é o caso dos contínuos que têm uma probabilidade de permanecer na mesma ocupação de apenas 18%; vigias (20%); balconistas de lanchonetes (20%); recepcionistas (26%); serventes de pedreiro (30%); e caixas (33%).

Há uma leve tendência da baixa permanência incidir nas ocupações que requerem menos educação – mas há exceções importantes. Os engenheiros, por exemplo, apesar de seu alto nível educacional, têm uma taxa de permanência de apenas 42% o que pode ser interpretado, também, como uma alta versatilidade daquela profissão.

Em todas essas ocupações, houve um crescimento extraordinário dos que trabalham por conta própria. Dos que exerciam suas atividades nessa condição em 1996, 48% eram "empregados" em 1991. Foi uma mudança dramática.

Uma outra modificação expressiva, embora em menor número, foi registrada entre os empregadores. Dos que assim trabalhavam em 1996, só um terço eram empregadores em 1991; outro terço era composto de empregados; e uma igual parcela trabalhava por conta própria.

Esses dados poderiam nos levar à conclusão de que o Brasil metropolitano está caminhando para uma sociedade mais evoluída, baseada no trabalho autônomo e livre, gerando oportunidades para muitos micro-empreendedores.

Tudo isso seria alentador se o quadro não tivesse sido acompanhado por uma forte informalização do trabalho. No setor industrial, a informalidade aumentou 9,5% no período considerado; nos serviços, 11%; e no comércio, 28%. Na média, o trabalho informal cresceu 13%.

Quando se compara a situação dos mesmos indivíduos no período de 1991-96, é espantoso verificar que 54% dos que estavam no mercado informal em 1996, tinham sua situação regular em 1991. Por outro lado, apenas 11% dos trabalhadores com situação regular em 1996 eram irregulares em 1991.

O Brasil tem de pensar seriamente se deseja continuar com essa precarização crescente das condições de trabalho ou se cria uma legislação trabalhista mais moderna para acomodar a maioria das pessoas em situações regulares, com um mínimo de proteção e um máximo de empregos.