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Publicado em O Estado de S. Paulo, 12/05/1998

Bons e maus empregos

Quem não gostaria de comemorar uma taxa de desemprego de 4,3% num mundo onde muitos dos países não conseguem dar trabalho para o seu povo?

Essa foi a situação dos Estados Unidos em abril de 1998. O País vem superando seus próprios recordes a cada mês.

Muita gente não se conforma com o fato disso acontecer na Nação que tem o mercado de trabalho menos regulamentado do mundo. Desse inconformismo surgem inúmeras justificativas pseudo-científicas. A mais comum argumenta que – em contraste com a Europa - os postos de trabalho gerados nos Estados Unidos são de baixa qualidade, com muita instabilidade e pouco salário. O país estaria indo de mal a pior no campo da distribuição de renda, aumentando a pobreza e chegando perto da miséria. Pobres americanos...

é impressionante como se difunde a dicotomia segundo a qual a Europa tem muito desemprego mas bons empregos enquanto que os Estados Unidos tem pouco desemprego mas maus empregos. O que dizem os dados?

Os estudos mais recentes mostram justamente o contrário. Os Estados Unidos vêm gerando cerca de 280 mil novos empregos por mês sendo que dois terços estão acima da média salarial do país. Esses dados foram apresentados pelo Presidente Bill Clinton na reunião do G-7 de 1996 acompanhados de uma sugestão para que os países europeus considerem a idéia de relaxar um pouco os fortes regulamentos que ainda mantém no mercado de trabalho. Sugestão em vão para a maioria dos presentes. A França saiu da reunião e partiu para regulamentar uma jornada de 35 horas por semana, por lei, e sem chance para as partes negociarem!

Muitos argumentam que a encolhimento do emprego na indústria e o seu deslocamento para o setor de comércio e serviços ocasiona forte deterioração da qualidade dos postos de trabalho. Nada mais falso. Em pesquisa realizada pelo Ministério do Trabalho dos Estados Unidos, ficou claro que a maior parte dos postos de trabalho criados no setor de comércio e serviços – o chamado terciário – é de boa qualidade em vários indicadores. Examine alguns deles.

Em 1996, o salário médio dos americanos ficou em torno de US$ 11.80 por hora. Os postos de trabalho criados nos setor de serviços ficaram exatamente nessa média. Na indústria de transformação, é verdade, a média chegou a US$ 12.80. Por outro lado, os dados revelam que o hiato salarial entre indústria e serviços vem diminuindo graças a um crescimento do salário médio do setor terciário (Joseph R. Meinsenheimer II, The Service Industry in the Good-Bad Jobs Debate", 1998).

O estudo mostra também uma grande semelhança nas distribuições de rendimento para os setores industrial e de serviços, sugerindo que a visão segundo a qual os empregos criados neste último são de má qualidade. Nos serviços, os 10% de renda mais alta ganham, em média, US$ 1.059 por semana que é exatamente o que ganham os demais assalariados do País.

No que tange aos benefícios (seguro saúde, aposentadoria privada, seguro de vida, férias e feriados remunerados, etc.) os postos de trabalho dos serviços não têm nada a dever aos dos outros setores. Na média, 35% dos americanos possuem cobertura de aposentadoria privada em conexão com o seu trabalho. é verdade que apenas 26% dos que trabalham no comércio varejista possuem esse tipo de benefício mas, entre os profissionais da saúde, essa proporção sobe para 62%.

No setor industrial, 55% dos trabalhadores são cobertos por seguro de saúde e acidentes. Nas atividades financeiras, de seguros, corretagem, transporte público e várias outras, isso ultrapassa a casa dos 70%.

As mais baixas taxas de rotatividade de mão-de-obra são encontradas no setor de serviços, em especial, nas atividades acima indicadas.

O que dizer do trabalho em tempo parcial? As pesquisas mostram que, no geral, a maioria das pessoas que trabalham menos de 35 horas por semana nos Estados Unidos preferem esse tipo de jornada para poder acomodar trabalho com afazeres domésticos, estudos e atividades culturais. Na indústria, 51% dos que trabalham em tempo parcial o fazem involuntariamente. Mas, nos setor de serviços essa parcela cai para apenas 13%.

Em suma, a idéia de que os sistemas desregulamentados precarizam o emprego não encontra apoio nos dados disponíveis. Na verdade, a realidade aponta na outra direção. O Brasil, que tem uma lei trabalhista altamente regulamentadora é um exemplo eloqüente.

A nossa legislação procura assegurar tantos direitos que poucos podem se beneficiar de suas proteções. Resultado: temos cerca de 8% de desempregados e mais de 55% da força de trabalho no mercado informal – sem nenhum dos direitos que a pretensa legislação protetora quis assegurar.

é interessante considerar que o excesso de rigidez da lei, no Brasil, produz um excesso de flexibilidade no mercado – a informalidade. Trata-se de uma flexibilidade selvagem, pois com ela, as três partes perdem. O Estado deixa de recolher recursos preciosos para a seguridade social. Os trabalhadores ficam sem as proteções decorrentes do trabalho. E as empresas empregam mão-de-obra por curtos períodos o que impede os investimentos em treinamento e melhoria da produtividade. Até quando vamos continuar com esse jogo de soma zero?