Publicado em O Estado de S. Paulo, 31/03/1998
O emprego no turismo
O turismo tem sido considerado como um setor com grande potencial de emprego. Segundo a OIT, ele responde por cerca de 10% dos empregos no mundo. No Brasil, entretanto, o mercado formal tem apenas 1% de trabalhadores no turismo (RAIS, 1995) e, o informal, mais 1%. Vergonhoso!
Os campeões do turismo são, pela ordem, França, Espanha, Estados Unidos, Itália e China. Em 1996, a França recebeu 60 milhões de estrangeiros; a Espanha, 45 milhões; os Estados Unidos, 44; a Itália 29 e a China 23 milhões. Nesse mesmo ano, o Brasil recebeu apenas 2,5 milhões, levando o déficit comercial do turismo para US$ 4 bilhões.
Nos ultimos 25 anos, a receita das viagens internacionais no mundo subiu 12,5% ao ano. Em 1996, o turismo gerou US$ 3,6 trilhões (10,7% do PIB mundial), tendo garantido 255 milhões de empregos. Na China, a receita foi decuplicada no período de 1980-95. Na Espanha, o superavit do turismo (US$ 21 bilhões) compensa o déficit no comércio dos outros setores (US$ 18 bilhões).
A América Latina gera 6% do emprego com o turismo embora a região do Caribe, sozinha, responde por 23%. A maior parte das receitas nesses casos provêm de turismo de lazer (OIT, New Technologies and Working Conditions in the Hotel, Catering and Tourism Sector, 1997).
Quando se consideram a conveniente localização, as belezas naturais e seu clima atraente (sól o ano inteiro), o Brasil poderia empregar muito mais de 2% em turismo. Para tanto, é crucial superar várias deficiências, dentre elas, a grave carência de mão-de-obra qualificada.
Que tipo de qualificação se espera de quem trabalha em turismo? O setor é imenso e as especialidades se desdobram. O turismo demanda profissionais de hotelaria, alimentação, interpretação e tradução, transportadores, agentes de viagens, guias e vários outros.
O setor passa por grandes transformações tecnológicas. Os profissionais dos hotéis de hoje não têm nada a ver com os de dez anos atrás. Eles precisam estar preparados para atender bem a clientes cada vez mais exigentes. O conhecimento de línguas é essencial. A capacidade para solucionar problemas é básica, pois eles lidam com pessoas carentes de informações locais.
Saber organizar salas de trabalho, operar computadores, fax, e-mail, apoios audiovisuais e as novas tecnologias de quarto (vídeos, TV com controles remotos, canais internacionais, telefones com mensagens automáticas, procedimentos de check-in e check-out, etc.) fazem parte do perfil de um atendente de hospedes diferenciados do turismo de eventos (congressos, reuniões, exposições, etc).
O domínio de tecnologias é imperativo também nas cozinhas, restaurantes e cantinas, inclusive, nos serviços de buffet e eventos. Nesses campos, surgiram novos equipamentos e métodos de preparar alimentos. A velocidade dos serviços foi acelerada. A cordialidade é fundamental.
Em face da falta de pessoal qualificado, os hotéis de 5 estrelas das grandes cadeias estrangeiras que aqui se instalam usam, como rotina, o método da "pilhagem" de funcionários de hotéis concorrentes. A maioria deles mantem vestiário com sabonete, toalha e desodorante para uso diário dos funcionários antes de começarem a trabalhar.
No terreno do agenciamento, o conhecimento de geografia, história e cultura é tão importante quanto a capacidade para operar equipamentos relacionados a reservas, processamento de informações, treinamento de guias e organização de video-conferências.
O Brasil tem um longo caminho na preparação desse tipo de mão-de-obra. Até mesmo nas profissões mais simples, a educação é mandatória. O barqueiro, o jangadeiro, o "bugueiro", - todos esses profissionais precisam ter boas noções de segurança, higiene e hospitalidade - o que ainda é raro nas regiões mais bonitas do Brasil.
O turismo pode gerar muitas oportunidades de trabalho e acomodar trabalhadores com flexibilidade. No ramo hoteleiro, por exemplo, 47% dos funcionários são mulheres, cuja maioria trabalha em horários flexíveis, conciliando as obrigações do lar com as profissionais.
Além de renda e emprego, o turismo tem impactos culturais e sociológicos nos turistas; induz a melhoria o meio ambiente; e promove entendimentos internacionais. Estas externalidades vão muito além dos efeitos produzidos pela entrada de turistas e pela geração de empregos.
A atração de capitais para construir hotéis, restaurantes e infra-estrutura turística esbarra na grande limitação de mão-de-obra. Gerar empregos nesse setor depende da existência de uma rede estruturada de instituições de boa qualidade, voltadas para os mais variados tipos de treinamento.
No Brasil, essas instituições estão aquém das necessidades. O Programa Nacional de Municipalização do Turismo da Embratur, no período de 1995-97, treinou apenas 280 "agentes multiplicadores" estaduais. Das 67 faculdades de turismo, poucas expõem seus alunos aos segredos da hotelaria, culinária, hospitalidade e outras atividades.
O convênio recentemente firmado entre a Fundação Getúlio Vargas e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo visa a formação da primeira turma de profissionais de alto nível em turismo. O novo Instituto da Hospitalidade, em Salvador, é um outro passo importante. Serão multiplicadores de conhecimentos.
O turismo ilustra um setor em que a preparação da mão-de-obra é pré-condição para os investimentos em infra-estrutura. A carência atual precisa e pode ser superada. Depende de um trabalho sério e continuado nessa área.
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