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Publicado em O Estado de S. Paulo, 16/03/1998

O desemprego tem cura?

A taxa de desemprego ultrapassou os 7% e a do trabalho informal os 57%. A sociedade brasileira está doente: ela não consegue empregar adequadamente a maioria dos seus cidadãos. Isso tem cura?

O desemprego é uma doença de muitas causas. Todas estão presentes no Brasil: concorrência internacional, revolução tecnológica, mudanças nos métodos de produção, juros altos, crescimento anêmico e abertura comercial desordenada. A má educação e uma legislação trabalhista ultrapassada completam o quadro.

Gerar empregos depende da remoção de todos esses obstáculos que formam uma rêde de doenças entrelaçadas cuja ponta do iceberg se manifesta no desemprego e informalidade. Medidas tópicas como as anunciadas pelo governo federal são importantes, mas não milagrosos.

Falemos do enorme salto do desemprego ocorrido entre dezembro de 1997 (4,84%) e janeiro de 1998 (7,25%). Infelizmente, as pesquisas não permitem quantificar o peso líquido de cada causa. Tudo indica, porém, que nesse salto abrupto, predominaram os fatores conjunturais. Normalmente, a indústria e o comércio despedem empregados em janeiro. Mas, no fim do ano passado, a alarmante puxada nos juros, adicionou muita lenha à fogueira.

Isso comprova uma teoria bastante conhecida no mercado de trabalho: destruir empregos é rápido; criar é demorado. Os juros dispararam em novembro, as empresas montaram as listas em dezembro e começaram a despedir em janeiro.

Pela mesma teoria, a baixa de juros ocorrida em março dificilmente criará empregos em maio. Criar é lento. Ademais, a taxa de juros continua obcena e os outros determinantes do problema permanecem presentes.

No meio de tantas causas, por onde começar? O quadro é equivalente ao de um doente cardíaco que subitamente é atacado por complicações renais, hepáticas e respiratórias. O monitoramento médico exige atenção a todas as causas.

Mas, qual a causa que demanda mais tempo e quais as que podem ser atacadas no prazo mais curto? A melhoria da educação - embora urgente - é a mais demorada. Levará uma década para saltarmos dos atuais 3,5 anos de escolaridade da força de trabalho para necessário patamar de 10 anos, como já têm os nossos concorrentes.

A baixa dos juros para níveis civilizados - 8% ao ano - também exigirá tempo. Isso vai depender da aprovação, implantação e, sobretudo, dos resultados das reformas estruturais, o que poderá tomar uns 4 ou 5 anos ainda. O mesmo se pode dizer da volta de uma taxa de crescimento de 6% ou 7% ao ano.

Da lista acima, resta a modernização da legislação trabalhista que, na verdade, independe da concorrência internacional, dos juros e do crescimento. Ela depende apenas da ação dos parlamentares.

Só isso resolve os problemas do desemprego e da informalidade? é evidente que não. Ficou claro que esses problemas têm várias causas. Mas muito pode ser feito se modernizarmos essa legislação que desestimula a contratação e precipita a demissão.

O País acaba de aprovar a Lei 9.601 (prazo determinado e banco de horas) com vistas a amenizar as dificuldades nos dois campos. Foi um passo importante, mas muito burocratizado. Sem nenhuma necessidade, a lei deu aos sindicatos o poder de aprovar ou vetar contratações. Conheço dezenas de empresas que já abriram vagas, selecionaram centenas de trabalhadores e o sindicatos não deixam contratar. Por que garantir poder cartorial para quem impede o emprego?

O desemprego é particularmente grave entre os jovens. Em muitos países a lei trabalhista estimula as empresas a contratar os recém-saídos das escolas com menos encargos sociais. Por quê não se fazer isso no Brasil? Muitos jovens poderiam trabalhar em empresas que são verdadeiras escolas e ali completar a sua formação.

O problema da informalidade decorre, em grande parte, da impossibilidade de legalizar as novas modalidades de trabalho: tempo parcial, por projeto, subcontratado, teletrabalho, etc. Por quê não se criar mecanismos para incorpoprar essa gente ao mercado formal fazendo-os contribuir para a debilitada seguridade social?

O Brasil precisa pensar em uma reforma geral nesse campo. Pesquisas recentes mostram que medidas isoladas ajudam muito pouco na tarefa de gerar empregos e reduzir a informalidade. Por exemplo, a criação do contrato por prazo determinado na Espanha (que mantém uma legislação superprotetora), reduziu apenas o custo da demissão mas nada fez em favor da contratação em bases permamentes, que continuou difícil e cara. Isso ampliou o poder de barganha desta parcela da força de trabalho fazendo aumentar a inflexibilidade salarial, dificultando o emprego.

Ou seja, quando as modificações incidem apenas em um ou dois elementos da legislação, os remanescentes acabam "sabotando" as mudanças, nada ocorrendo do lado do emprego geral. Precisamos tirar proveito dessas lições e partir para uma reforma mais ampla. No Brasil essa reforma só não ocorre devido à conduta persistente da maioria dos nossos parlamentares em não querer encarar de frente a enorme revolução que ocorre no mercado de trabalho.