Publicado em O Estado de S. Paulo, 30/09/1997
Uma constituição contra o emprego
Através de uma liminar, o Supremo Tribunal Federal proibiu a abertura das lojas aos domingos. A Medida Provisória 1.539-34, de 07/08/97, que permitiu o funcionamento opcional do comércio varejista, teria ferido a Constituição Federal segundo a qual o domingo é o dia preferencial de descanso semanal dos trabalhadores.
é claro que decisão judicial não é para ser contestada. Mas sou tentado a comentá-la. Por não ser advogado ou jurista, peço ao leitor considerar os parágrafos abaixo com a devida reserva.
A MP 1.539-34 visou atender os anseios dos consumidores que não dispõem de tempo para fazer compras durante a semana e as necessidades dos trabalhadores que precisam de mais empregos.
Há quem conteste que a abertura aos domingos gere mais postos de trabalho. O tema é controvertido. Mas, pesquisas recentes (Robert Solow et. al., Removing Barriers to Growth and Employment in France and Germany, 1997) mostram que nos países onde as lojas têm flexibilidade de horário (Estados Unidos), o nível de emprego no comércio é 50% mais alto do que onde há rigidez (França).
No caso brasileiro, como a jornada semanal é fixa (44 horas) e o comércio passa a funcionar 7 dias, em lugar de 6, é claro que as lojas necessitarão de mais funcionários. Além disso, há importantes efeitos indiretos. Ao abrir 52 dias a mais por ano, o setor ativará quase toda a economia, instigando a criação de postos de trabalho em outras atividades como, por exemplo, transporte de mercadorias e passageiros, estocagem, manutenção, segurança, limpeza, comunicações, etc. Por isso, numa hora em que a falta de emprego é o mais grave problema da Nação, penso valer a pena fazer a experiência.
Alguns alegam que os funcionários atuais seriam forçados a fazer horas extras, nada ocorrendo com o emprego. é pouco provável que isso ocorra. A lei e a realidade limitam o uso desse expediente em regime de jornada semanal fixa como é o nosso.
Outros entendem que o domingo deve ser descansado por todas as pessoas. Mas, a própria CLT abre uma imensidão de exceções ao permitir o trabalho de homens e mulheres nas padarias, bares, hotéis, pensões, restaurantes, quitandas, postos de gasolina, hospitais, etc. Como interpretar esse "preferencialmente" se já tem tanta gente trabalhando?
Dizem que a MP em questão acabou com a possibilidade de negociar o trabalho aos domingos. Este me parece o ponto mais interessante da polêmica. De fato, a CLT previa a necessidade de acordo ou convenção. Os sindicatos, negando-se a negociar ou rejeitando a idéia, impediam as lojas de abrir. Em outras palavras, a lei assegurava aos sindicatos o poder de vetar a atividade das lojas.
Nunca entendi essa assimetria em relação aos comerciários pois, os demais brasileiros nunca gozaram desse poder. Os que trabalham na extração de petróleo, nas usinas siderúrgicas, na geração e distribuição de eletricidade e em tantas outras indústrias, assim como os empregados dos transportes, jornais, televisão, rádio, ambulatórios, aeroportos, etc. não dispõem do direito de garantir o descanso aos domingos e muito menos de impedir a atividade das empresas em que trabalham.
O que seria da Petrobrás se o sindicato dos petroleiros impedisse a empresa de funcionar aos domingos? Como ficariam a Usiminas, a Varig e o Hospital das Clínicas se essa prática se generalizasse?
A referida assimetria, no caso do comércio, permitia uma parte vetar a atividade da outra. Isso foi democraticamente corrigido pela MP 1539-34. Esta não impede os comerciários de negociarem seus interesses por ocasião da data-base, inclusive o trabalho aos domingos, como fazem os demais brasileiros - sem direito a veto.
Com a liminar, o STF restaurou, ainda que temporariamente, a assimetria e o poder de veto acima mencionados. As constituições costumam ser cartas de princípios nas quais as nações enunciam seus valores básicos. No Brasil é diferente. Na área trabalhista, a Constituição Federal trata de detalhes que, nos países mais avançados, são estranhos até mesmo a uma lei ordinária, como é o caso do valor da hora-extra, o turno de revezamento, o piso salarial, o trabalho aos domingos e tantos outros. Tais assuntos, naqueles países, constituem matéria de negociação por ocasião do estabelecimento ou renovação de um contrato de trabalho.
E há ainda quem diga que a legislação trabalhista e o próprio mercado de trabalho no Brasil são flexíveis. Nada mais falso. O exemplo em tela é uma prova cabal da rigidez do sistema brasileiro de relações de trabalho.
Para cumprir sua responsabilidade de zelar pela Constituição, os eminentes ministros do STF estão sendo levados a bloquear a criação de postos de trabalho. Que tristeza!
Está na hora de decidirmos de uma vez por todas se queremos leis que ajudam ou que atrapalham a geração de empregos para os brasileiros.
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