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Publicado em O Estado de S. Paulo, 02/09/1997

O dilema do trabalho infantil

Alguém pode ser contra a idéia de manter-se as crianças na escola? é claro que não. Entretanto, a distância entre o desejo e a realidade é enorme. Apesar da Constituição Federal proibir o trabalho de menores de 14 anos, há quase 4 milhões de crianças nessas condições. No Terceiro Mundo, são 220 milhões: 134 na Ásia; 70 na África e 15 na América Latina.

Alguns alegam que o trabalho infantil nessas regiões causa desemprego e redução de salário nas nações mais avançadas. No âmbito da Organização Mundial do Comércio, os Estados Unidos e a França desejam uma cláusula social para proibir o comércio com países que usam o trabalho infantil e desrespeitam normas mínimas de trabalho.

Mesmo sem cláusula social, as nações ricas têm erguido inúmeras barreiras trabalhistas no comércio internacional. Os Estados Unidos se utilizam do Sistema Geral de Preferências Comerciais. Os grandes magazines estão deixando de comprar produtos fabricados por crianças. No Congresso Americano, há um projeto de lei do senador Thomas Harkin (D-Iowa) que dá ao Ministro do Trabalho, os poderes de exigir dos países exportadores, a garantia de que não usam crianças menores de 15 anos nas atividades produtivas. A OIT deseja aprovar o "selo social". E assim por diante.

Não há a menor dúvida que o mundo tem de parar de explorar crianças. Mas, será que as sanções comerciais são o melhor caminho? O que dizem as pesquisas?

Alan B. Krueger mostra que "o uso do trabalho infantil declina com o aumento da renda nacional, e não por força de penalidades" (International Labor Standards and Trade, 1996). Nos trabalhos da OECD lê-se: "a menos que haja uma alternativa concreta para as crianças e suas famílias, os menores demitidos do trabalho podem ser jogados nas ruas e em atividades ainda mais arriscadas" (Trade, Employment and Labour Standards, 1996). São advertências sérias.

A maioria das crianças que trabalham está no meio rural, ajudando a compor a renda familiar na agricultura, carvoarias e pedreiras. Nas cidades, trabalham como domésticas (meninas). Uma minoria trabalha na indústria(calçados, confecções, tapetes), comércio e serviços.

O governo brasileiro tem se posicionado contra o uso de sanções no comércio internacional para se implementar normas trabalhistas, argumentando que isso é uma forma disfarçada de protecionismo. O empresariado tem seguido a mesma linha.

Internamente, porém, muitos empresários estão recomendando e usando as sanções comerciais para coibir o trabalho infantil. Refiro-me às empresas que deixaram de comprar de fornecedores que utilizam crianças nas carvoarias, colagem de sapatos, catação de laranja, corte de cana, sisal, etc.

Trata-se de uma posição bastante delicada. Como justificar o uso de sanções comerciais no mercado doméstico e o seu combate no comércio internacional? Esse problema terá de ser resolvido.

Sou inteiramente favorável ao combate ao trabalho infantil. Mas, duvido da eficiência das sanções comerciais. Entre as famílias que usam o trabalho de menores de 14 anos, são poucas as que podem escolher entre gerar renda ou manter as crianças na escola. A grande maioria é obrigada a garantir o presente, sacrificando o bem estar do futuro.

Acredito mais no ataque às causas. As pesquisas estão repletas de evidências mostrando que a melhoria das condições de vida dos pais é crucial para prolongar a estada dos filhos na escola (Rachel Connelly e outras, Caring for Preschool Children in Urban Brazil, 1996). O governo do Distrito Federal foi pioneiro nos programas "Bolsa-Escola" e "Poupança-Escola" que concedem recursos às famílias que mantém os filhos na escola. Tais programas vem se multiplicando em vários estados do Brasil com bom resultado.

A história comprova que o êxito nesse campo sempre foi obtido através do desenvolvimento econômico e não de penalidades comerciais. O que faz as normas trabalhistas convergirem é o desenvolvimento e não as restrições a ele.