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Publicado em O Estado de S. Paulo, 14/08/97

Trabalho aos domingos

No Brasil, o comércio sempre foi rigidamente regulamentado. O horário de funcionamento das lojas segue disposições municipais e o trabalho dos funcionários segue dispositivos federais que, até a semana passada, requeriam negociação caso-a-caso, acordo ou convenção coletiva, pagamento de horas extras e outras restrições.

Nos Estados Unidos, o comércio pode trabalhar 24 horas por dia, 365 dias por ano. Isso facilita a vida dos consumidores, em especial, as compras que requerem tempo como é o caso do casal que define o seu pacote de viagem de férias ou adquire uma apólice de seguros em quiosques que funcionam nos shopping-centers e supermercados aos sábados, domingos e feriados.

Será que existe alguma agência de turismo que fica aberta aos domingos no Brasil? E se você precisar de uma broca para colocar uma bucha na parede de sua sala num sábado à tarde - há alguma loja de ferragens aberta no seu bairro?

A exigência de negociação com os sindicatos, pagamento de horas-extras e aprovação formal mediante acordo ou convenção coletiva tornava quase impossível para o comércio abrir aos domingos mesmo porque a CLT estabelecia que o descanso do comerciário devia coincidir (preferivelmente) com o domingo.

Tudo era muito complicado. A regulamentação trabalhista bloqueava a eventual flexibilização municipal.

A Medida Provisória 1.539-34, de 07/08/97, autorizou a abertura do comércio varejista aos domingos, dispensando-se a referida negociação, o acordo e convenção coletiva, e o pagamento de horas-extras - deslocando-se o descanso para outro dia da semana.

Além da comodidade para os consumidores trazida por essa medida, é preciso considerar que o comércio e os serviços são hoje os maiores geradores de empregos. No Brasil, os postos de trabalho da indústria de transformação que respondiam por 23% do emprego em 1986, hoje em dia, representam apenas 12%. Por sua vez, os postos de trabalho no comércio e serviços aumentaram em 45% para 54% no mesmo período.

O consumo é um dos grandes determinantes de emprego. Cerca de 75% da população economicamente ativa dos Estados Unidos e Japão estão nos setores de comércio e serviços, com tendência crescente. No Brasil, só ao longo do Plano Real (1994-96), as atividades do comércio e serviços geraram cerca de 540 mil empregos enquanto a indústria destruiu mais de 750 mil postos de trabalho.

Muitos argumentam que a simples desregulamentação do comércio não aumenta da demanda agregada e os empregos, sob a alegação de que quem tem de comprar, compra em qualquer dia. Ademais, o comércio pessoal está sendo substituído pelo comércio eletrônico.

O assunto é controvertido. De fato, aumento do consumo depende basicamente do crescimento da renda e do crédito, mas ele é afetado também pelas facilidades de comprar.

A flexibilização do horário do comércio, ademais, amplia o emprego em outras atividades tais como o transporte de mercadorias e passageiros, estocagem, manutenção, segurança, limpeza, comunicações, etc. As pesquisas mostram que, nos Estados Unidos, a simples flexibilização de horários determina um número de funcionários por consumidor que é 50% superior ao da França e outros países que mantém o comércio fechado nos domingos e feriados.

Abrir aos domingos significa movimentar quase toda a economia 52 dias a mais por ano. No Brasil, há cerca de 11 milhões de empregos ocupados no comércio. Uma eventual expansão dos postos de trabalho diretos e indiretos - mesmo que seja de 10% - significará a criação gradual de mais de 1 milhão de empregos. Não dá para desprezar isso.

Essa Medida Provisória veio em boa hora. é mais um passo no terreno da flexibilização do trabalho e um belo teste para o País. Pessoalmente, tenho fé nos seus resultados.