Publicado em O Estado de S. Paulo. 01/07/1997
Empregos no Brasil e na França
NOS DOIS PAÍSES, EXCESSO DE REGULAMENTAçãO é EMPECILHO AO SURGIMENTO DE POSTOS DE TRABALHO
Apareceu um candidato prometendo muito emprego, bons salários e jornadas curtas. Não deu outra: ganhou estourado. Esse é o caso de Lionel Jospin. Ele prometeu à França 700 mil novos postos de trabalho; jornada de trabalho de 35 horas por semana; e tudo isso sem cortes nos salários ou aumento de impostos.
A sedução da proposta foi mais forte do que o bom senso dos franceses. Não é para menos. O problema do desemprego preocupa até mesmo os que estão empregados, pois não pára de crescer. Nos últimos cinco anos, a proporção de desocupados na França saltou de 9% para 13%, tendo atingido quase 3,5 milhões em 1996.
No Brasil, será útil observar os resultados do trabalho de monsieur Jospin. Nosso desemprego é de menos de 6%, mas os que trabalham na informalidade chegam a 57%! Se Jospin conseguir sucesso, é certo que fará escola. Não será surpresa surgir entre nós uma versão tupiniquim de candidato corajoso que venha a prometer 3 milhões de empregos, jornada de 30 horas; e salários crescentes.
O McKinsey Global Institute acaba de publicar um precioso estudo sobre os entraves da economia e do emprego na França (Removing Barriers to Growth and Employment in France and Germany, 1997). Os resultados não são nada animadores. Comparada à média dos países desenvolvidos, a França tem uma produção 40% menor, produtividade do trabalho 20% inferior; e possui 25% menos empregos.
O estudo mostra que, na década de 70, a França se equiparava aos Estados Unidos nesses três indicadores. Em 25 anos, o emprego encolheu 20% naquele país e aumentou 40% nos Estados Unidos. Em quase todas as atividades, a economia americana emprega mais gente (per capita) do que a francesa.
Qual é a razão de diferenças tão impressionantes? Afinal, Estados Unidos e França possuem uma força de trabalho de primeira qualidade e usam as mais modernas tecnologias.
A principal causa está no excesso de regulação da França. Tudo é mais complicado na vida dos franceses. Veja o caso do comércio varejista. Esse é um setor de extrema importância para a economia e para o emprego. Entre 1973-96, para cada oito empregos criados nos Estados Unidos, a França destruiu quatro. Hoje, o número de postos de trabalho por consumidor no comércio americano é 50% superior ao da França.
Por quê? O comércio da França trabalha menos horas que o dos Estados Unidos. Na América, todas as lojas podem abrir – e abrem – à noite, nos domingos e feriados. é enorme o número de estabelecimentos que trabalham 24 horas por dia e 365 dias por ano. Os encargos sociais legais ficam em torno de 9% enquanto que os da França chegam a 80%. A contratação de trabalho temporário e em tempo parcial é livre enquanto na França é virtualmente proibitiva.
A CLT está doente: depois de trabalhar por mais de 50 anos, passou a sofrer de fadiga institucional
No campo da regulamentação do trabalho, o Brasil está mais próximo da França do que dos Estados Unidos. No caso do comércio, por exemplo, a flexibilidade de horário das nossas lojas é mínima. Nas horas em que o consumidor tem mais tempo para comprar(à noite, aos domingos e feriados), nossas lojas estão fechadas. Raros são os estabelecimentos que trabalham 24 horas por dia e ao ano todo. Os encargos sociais somam 102% sobre o salário. Temos uma legislação trabalhista com mil artigos e, no entanto, uma só forma de contratação: por prazo indeterminado. A contratação do trabalho flexível é difícil, onerosa e perigosa. Qualquer violação dispara ações trabalhistas de grande complexidade. Tudo isso desestimula o emprego.
Uma coisa é certa: essa rigidez mais destrói do que cria empregos. Isso ocorre em todos os países onde subsiste a crença do "garantismo legal", segundo a qual quanto mais direitos há na lei, mais gente é protegida. A realidade mostra que isso é falso. O mercado não funciona assim. Os empregos dependem de crescimento e flexibilidade – além de educação.
No Brasil isso é claríssimo. Nos últimos quatro anos, crescemos 18,3%. Seria de se esperar um aumento do emprego da ordem de 9% ou 10%. Pois bem: o emprego formal reduziu-se em 0,21%.
A flexibilidade do nosso quadro legal é urgente e necessária. A CLT foi formulada para uma economia fechada e sem concorrência. A realidade atual é o inverso disso. A flexibilidade para contratar, descontratar e remunerar a mão-de-obra é tão essencial quanto o crescimento e a boa qualidade do trabalho. A CLT está doente. Ela sofre de fadiga institucional. Afinal, trabalhou por mais de 50 anos e faz jus a uma digna aposentadoria.
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