Publicado no Jornal da Tarde, 28/07/1999
A Ford e o transplante de empresas
Nos últimos três anos, o que mais se ouviu foi que a abertura da economia destruiu postos de trabalho no Brasil e promoveu o emprego na Coréia, Taiwan, México, etc.
Hoje, discute-se se é justo que a Ford venha a ampliar o emprego dos baianos à custa da redução do emprego dos paulistas. Afinal, não são todos brasileiros? Seria possível proteger os empregos de São Paulo?
Nunca as empresas mudaram tanto entre países, regiões, e até mesmo entre estados e municípios como nos dias atuais. A globalização, a abertura das economias e o avanço da micro-eletrônica tornaram o fator capital extremamente móvel.
Enquanto isso, o fator trabalho continua quase imóvel. Para um trabalhador ser aceito por outra nação, ele tem de vencer uma série de bloqueios criados pelas leis de migração, vistos de entrada, educação mínima, etc.
Para mudar de estado ou região, não se requer nada disso mas, as dificuldades de ordem social não podem ser desprezadas. Em muitos casos, há familiares idosos que dependem dos trabalhadores; em outros, é a carreira educacional dos filhos que já está muito avançada.
O deslocamento de empresas de um país para outro, ou mesmo entre regiões do mesmo país, gera desemprego no local de origem e cria emprego no local de destino.
Do ponto de vista da empresa, os investimentos têm de ser feitos onde são mais rentáveis. Do ponto de vista do governo, eles devem se espalhar de modo a reduzir as desigualdades regionais. Do ponto de vista do trabalhador, fica para ele um verdadeiro "mico", ou seja, o de encontrar soluções para os problemas que decorrem da mobilidade das empresas.
Esse é o caso da Ford. Ao fazer esforços para induzir a implantação de novas empresas no nordeste, o governo federal acabou instigando a explosão de graves problemas para os trabalhadores de São Paulo. Isso poderia ser evitado?
Normalmente, as empresas sempre mudam quando enfrentam dificuldades intransponíveis nos campos do transporte, congestionamento de trânsito, despesas com proteção ambiental e custo excessivo da mão-de-obra Gijsbert van Liemt, Industry on the Move, OIT, 1992).
No caso da saída da Ford do bairro do Ipiranga, pesaram todos esses fatores. No que tange à mão-de-obra, por exemplo, um ferramenteiro na FIAT em Betim (Minas Gerais) custa para a empresa, 35% menos do que custam esses profissionais nas suas concorrentes do ABC paulista. é provável que diferencial semelhante venha a ser mantido em Camaçari, na Bahia.
O transplante da Ford não foi o primeiro e, certamente, não será o último. Gente do ramo costuma dizer jocosamente - mas com muita precisão - que "os capitais não aceitam desaforos de custos assim como não resistem a sedução de uma boa cantada..."
No caso da Ford, parecem estar atuando as duas forças: os custos excessivos das instalações atuais e a atração dos incentivos generosos oferecidos na Bahia.
Por isso, é um tanto utópico querer reverter a força avassaladora da competitividade nos deslocamentos de empresas. O máximo que os governos podem fazer é modular os problemas de segunda geração que surgem em decorrência dos estímulos oferecidos. Muitos países possuem programas específicos para reduzir os custos desses deslocamentos para os trabalhadores que ficam para trás (Louis Jacobson e outros, The Costs of Worker Dislocation, Upjohn Institute, 1993).
Em termos práticos, uma boa política de desenvolvimento regional não dispensa a negociação prévia que leva em conta os interesses das regiões e das comunidades locais, onde, aliás, se concentram os principais problemas dos trabalhadores.
Será que essa negociação foi feita antes do governo oferecer os atrativos para a Ford? As partes afetadas pela entrada e saída dos capitais tiveram chance de se manifestar? De que maneira?
Pelo que sei, nada disso foi levado em conta. O acordo com a Ford poderia ter incluído certas salvaguardas para evitar desequilíbrios decorrentes da intenção de reduzi-los. Não tem cabimento desvestir um santo para vestir outro... Perdeu-se uma boa oportunidade para usar recursos escassos e evitar problemas que já são abundantes no País inteiro.
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