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Publicado em Cadernos de Administração do SENAC, 2000.

Trabalho sem Emprego

Uma das características mais marcantes dos mercados de trabalho do mundo atual é a substituição gradual do emprego fixo, de longa duração e em tempo integral por outras formas de trabalhar. O emprego, caracterizado pela posição que o trabalhador ocupava de forma contínua numa empresa, está em franco declínio.

Dentre as novas formas de trabalhar, citam-se o trabalho em tempo parcial, a subcontratação, a terceirização, o trabalho por projeto (que tem começo, meio e fim) e o realizado à distância como, por exemplo, o "teletrabalho" e o "telecommuting".

O trabalho em tempo parcial, por exemplo, vem aumentando na maior parte dos países avançados, conforme indicam os dados da tabela abaixo. Os números são expressivos. Entre 1986 e 1995, a maior parte dos países desenvolvidos apresentou um forte salto na participação desse tipo de trabalho.

Por exemplo, na Austrália, o trabalho em tempo parcial cresceu de 20% para quase 25%, ou seja, um aumento de 25% em menos de dez anos. Na Bélgica, o salto foi de 9,4% para quase 14% - o que representou um aumento de 45%. Na Holanda, aquela proporção passou de 25,3% para mais de 37%, ou seja, 47% de aumento. E a Irlanda quase dobrou a referida proporção.

Todos esses países apresentam um franco crescimento dessa modalidade de trabalho. As estimativas projetadas para o ano 2000 indicam que o fenômeno vai continuar.

Os países que, em 1995, apresentaram as menores taxas de tempo parcial foram Luxemburgo (7,9%), Portugal (7,5%), Itália (6,4%) e Grécia (4,8%). Mesmo assim, as projeções para o futuro indicam um ligeiro avanço na participação do tempo parcial no total da força de trabalho ocupada.

Trabalho em Tempo Parcial

Em Países Selecionados - (%)

 

Países

1986

1995

2000*

 
 

Alemanha

12,9

16,3

17,0

 
 

Austrália

20,0

24,8

28,0

 
 

Bélgica

9,4

13,6

15,0

 
 

Canadá

15,2

18,6

20,0

 
 

Dinamarca

23,7

21,6

25,0

 
 

Estados Unidos

17,3

18,6

20,0

 
 

França

11,8

15,6

17,0

 
 

Grécia

5,8

4,8

5,0

 
 

Holanda

25,3

37,4

40,0

 
 

Inglaterra

21,6

24,1

27,0

 
 

Irlanda

6,2

11,3

13,0

 
 

Itália

5,0

6,4

7,5

 
 

Japão

16,6

20,1

22,0

 
 

Luxemburgo

6,6

7,9

8,5

 
 

Noruega

23,1

21,2

24,0

 
 

Portugal

6,0

7,5

8,5

 
 

Suécia

25,2

24,3

27,0

 

Fonte: O´Reilly e Fagan (1998). (*) Estimativa

Os dados do Brasil são precários e de difícil comparação. As informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE no período de 1992-96, mostram uma ligeira elevação da proporção dos que trabalham em tempo parcial. Essa proporção que era de 7,5% em 1992, passou para 8,0% em 1993, 8,3% em 1995 e 8,7% em 1996.

Em todos os países, inclusive o Brasíl, o trabalho em tempo parcial tem crescido mais entre as mulheres. Na Austrália, por exemplo, cerca de 43% das mulheres trabalhavam em tempo parcial em 1995; nos Estados Unidos e na Suécia, essa proporção chegou a 74%; e na Holanda, 89%. No Brasil de 1996, quando a média foi de 8,7%, a proporção de tempo parcial entre as mulheres foi de 14,5% (Foguel, 1998).

O teletrabalho é uma outra modalidade de atividade flexível em franca expansão. Nos Estados Unidos, há cerca de 10% da força de trabalho (14 milhões de pessoas) que trabalham a distância - em casa, em escritórios ou outros locais que não fazem parte da empresa para as quais prestam seus serviços.

O teletrabalho está fazendo crescer o "telecommuting", ou seja, o exercício da atividade profissional de vários locais, de forma contínua ou intermitente. Nos Estados Unidos, há quase 6% da força de trabalho (8 milhões de pessoas) que trabalham uma parte do tempo em cada lugar - escritório, dependências do cliente, do fornecedor, dos consultores, de outras empresas e de ambientes especializados como é o caso do trabalho em grupo realizado em "plataformas de trabalho" - locais montados e equipados para receber profissionais por curta temporada ou que trabalham de forma intermitente.

Na Europa, os números à respeito do teletrabalho e do telecommuting são ainda mais expressivos. Na Inglaterra, Holanda, Áustria e Irlanda, a proporção da mão-de-obra envolvida com esses tipos de trabalho, ultrapassa a casa dos 15%.

O teletrabalho e o telecommuting estão sendo fortemente impulsionados pelo comércio eletrônico. Nos países da OECD, a receita gerada pelo comércio eletrônico em 1999 ficou em torno de US$ 330 bilhões por ano. O crescimento dessa modalidade de negócios é simplesmente meteórico. Para o ano 2003, estima-se que o comércio eletrônico será responsável por um volume de vendas bem superior a US$ 1 trilhão.

Os empregos gerados pelo comércio eletrônico são em maior número do que o pessoal disponível. Nos Estados Unidos, em 1998, havia 350 mil vagas não preenchidas; na Alemanha, 60 mil; no Canadá, 30 mil; e na Inglaterra, 20 mil (OECD, 1999).

O mundo do trabalho passa por uma grande revolução. Juntamente com as mudanças nas formas de trabalhar, nota-se uma clara transformação nas formas de remunerar. Decresce a parte da remuneração fixa (salário) e aumenta a parcela da remuneração variável (atrelada à produção, produtividade, bônus, prêmios, etc.).

O mundo do trabalho se transforma também para os que permanecem na situação de empregados. Nesse sentido, tem destaque o rápido crescimento das jornadas flexíveis. Todos os países da Europa, assim como os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão e Tigres Asiáticos estão apresentando uma expansão dos horários intermitentes para os quais convergem os interesses dos empregados e dos empregadores. Na França, por exemplo, a proporção de pessoas que trabalham um número variável de dias na semana é de quase 16%.

As empresas, com essas novas formas de trabalhar e remunerar, buscam racionalizar o uso do fator trabalho, reduzir custos, aumentar a eficiência, adaptar a produção às novas tecnologias e explorar novos negócios. Os trabalhadores, por sua vez, buscam adaptar-se às novas demandas para poder trabalhar e ter renda e ainda adaptar-se às suas necessidades pessoais, em especial, dos que precisam combinar o trabalho com outras atividades (família, estudo, cultura, serviços comunitários, etc.).

Tradicionalmente, o tempo dos seres humanos era dividido em duas partes: trabalho e lazer. Cada vez que eles, voluntariamente, diminuíam o tempo de trabalho, aumentava o tempo de lazer - e vice-versa. No mundo atual, estamos perto da situação em que o tempo será dividido em três partes: trabalho, lazer e aprendizagem. A revolução tecnológica está exigindo dos seres humanos a dedicação de uma parcela crescente do seu tempo para aprender e dominar as inovações - o que, por sua vez, demanda a prática de jornas flexíveis de trabalho.

Na trajetória da flexibilização do uso do tempo, aumenta de forma expressiva no mundo desenvolvido a jornada anualizada. Na Inglaterra, por exemplo, cerca de 10% dos contratos coletivos já prevêem jornada anual, dentro da qual a compensação de horas, dias e meses é feita dentro do ano de vigência do contrato. Na Holanda, isso ultrapassa a casa dos 15%. Como esses contratos envolvem categorias enormes (metalúrgicos, químicos, bancários, etc.), a proporção de pessoas que trabalham na base da jornada anual é muito grande.

Portanto, no mesmo mundo em que surgem novas formas de trabalhar, a situação dos empregados se transforma. É claro que essas transformações não atingem de maneira uniforme os países e os setores da economia. Cada um tem a sua característica e, na realidade, o que mais se assiste, dentro dos países e dos setores, é a combinação das várias modalidades de trabalho e de remuneração. É difícil encontrar modernamente um tipo de negócio que não comporte uma ou mais modalidades de trabalho e remuneração como as mencionadas acima.

Não existe "a melhor" forma de contratar e remunerar o trabalho. Cada caso é um caso. O que vai bem para certas empresas e trabalhadores não vai bem para outros. Os últimos 20 anos passaram a oferecer às duas partes um cardápio de opções substancialmente mais ampliado do que aquele que vigorou ao longo de todo o século XX.

A Desproteção do Trabalho

Nos primórdios do capitalismo, ninguém hesitava em responder que os empregos eram de propriedade das empresas. Com o avanço do "Estado do Bem Estar", muitas sociedades passaram a regular, através da lei e do contrato, a liberdade das empresas despedirem seus empregados. Os trabalhadores, com a ajuda dos sindicatos, passaram a participar da contratação e descontratação do trabalho, assumindo a posição de co-proprietários dos postos de trabalho.

Atualmente, porém, grande parte dos postos de trabalho não pertence nem às empresas, nem aos empregados e nem aos sindicatos. O trabalho está cada vez mais sujeito ao jogo do mercado de trabalho. Muitos empregos, tradicionalmente incorporados nas empresas, foram remetidos para fora delas - inclusive fora do país em que as empresas operam. É crescente o número de empresas de um país que contratam trabalhadores e serviços em outro país como ocorre com os escritórios de engenharia da Europa, Estados Unidos e até mesmo do Brasil que têm seus projetos realizados por profissionais da Índia, Indonésia e China, por um menor preço e boa qualidade.

Esse expediente permite às empresas uma enorme economia de outros insumos, até mesmo de espaço físico. De fato, das quase 8.760 horas disponíveis em um ano, as empresas utilizam seus escritórios durante menos de 2 mil horas - 23%. Trata-se de um grande desperdício que vem sendo eliminado com a globalização da oferta de trabalho.

Se, de um lado, essas mudanças buscam adaptar o uso do trabalho às necessidades dos novos tempos, de outro, elas criam uma série de desafios de curto prazo.

Na travessia do emprego fixo para o trabalho variável, nota-se uma séria desprotreção dos trabalhadores, especialmente, no que se refere aos problemas decorrentes do desemprego, da doença e da velhice. Sim, porque todos os mecanismos de proteção social sempre estiveram atrelados aos programas das empresas e das sociedades e destinados aos empregados.

Com o encolhimento do emprego fixo e uso de mão-de-obra que não pertence aos seus quadros, as empresas encolheram também a responsabilidade que tinham em relação ao bem estar dos trabalhadores. Em outras palavras, diminuiu a parcela de trabalhadores cobertos pelos programas sociais das empresas e aumentou a parcela que passou a depender dos programas sociais do setor público e também dos que ficaram "no ar" pois grande parte dos programas governamentais exige dos trabalhadores um prévio relacionamento com as empresas na categoria de empregados. É isso o que ocorre, por exemplo, com o seguro-desemprego e outras formas de ajuda emergencial.

Isso significa que, para muitos trabalhadores, a desproteção ocorreu no âmbito da empresa e da sociedade em geral. Esse é um problema grave e que atinge a grande maioria das nações do mundo atual. Afinal, o profissional autônomo e que não tem vínculo de emprego também adoece, fica velho e morre. Como apoiá-lo nesses infortúnios se os programas estão atrelados e alimentados com recursos provenientes dos empregados e empregadores?

Em outras palavras, a rápida transformação do mundo do trabalho está fazendo crescer de forma inusitada a massa de seres humanos desprotegidos pelas instituições tradicionais. Mesmo nos casos em que essa proteção é garantida por lei, como no caso da saúde e assistência ao idoso, por exemplo, as instituições incumbidas de prestar esse tipo de proteção estão ficando com seus recursos cada vez mais exíguos como é o caso dos hospitais públicos e da previdência social.

As Novas Instituições de Proteção do Trabalho

O que fazer uma vez que o mundo não mostra o menor sinal de regredir para a situação de emprego e remuneração fixos?

O novo mundo do trabalho precisa de novas instituições do trabalho. Essa é o desafio que o século XXI herdará do século XX.

O mundo do trabalho necessita de instituições que sejam capazes de garantir, no novo contexto de trabalho, aquilo que era garantido no contexto de emprego. Há que se buscar maneiras para garantir um mínimo de proteção aos trabalhadores e suas famílias.

Independentemente da maneira como trabalhe, cada trabalhador quer ter um mínimo de previsão à respeito do que vai acontecer consigo quando faltar trabalho e forças para trabalhar assim como o que acontecerá com a família depois da sua morte.

Nos dias atuais nós não dispomos de instituições de cuidam disso fora da relação de emprego. Afinal, as receitas do seguro desemprego, saúde, previdência social estão ligadas, direta ou indiretamente, ao emprego.

O mundo terá de encontrar instituições que regulem cada vez mais as situações de trabalho e cada vez menos o do emprego. Essas instituições estão por ser construídas. Elas ainda não existem embora se possa visualizar alguns dos seus embriões.

No encolhimento do emprego fixo e na diminuição da responsabilidade das empresas para com os seus colaboradores, cresce a importância da "carreira individual" e a responsabilidade de cada um na arquitetura dos mecanismos de proteção.

É difícil para os seres humanos aprenderem a viver com segurança num ambiente de insegurança. Mas, isso começa a ser feito nos países mais avançados.

A relação tradicional de emprego fixo era semelhante à relação de um casamento. A nova relação está se assemelhando muito mais a uma sucessão de divórcios e recasamentos.

Na situação tradicional, as negociações eram periódicas e os seus resultados eram de longa duração. Na nova situação, as negociações são constantes e os seus resultados são de curta duração. Não dá para atrelar nenhum tipo de proteção em relações que se fazem e se desfazem em alta velocidade.

Os seres humanos estão percebendo que terão de cuidar daquelas proteções por si mesmos. Elas terão de ser portáteis e atreladas à sua pessoa, independentemente do tipo de relação que ela tem com o mercado de trabalho. Tanto faz trabalhar para duas, cinco ou vinte empresas em um ano: a proteção pessoal estaria garantida por aportes de recursos que nada têm a ver com o relacionamento com aquelas empresas.

É claro que não se deve esperar, no curto prazo, uma guinada total da proteção social para a proteção individual. Mas, essa parece ser uma estratégia racional para garantir proteção em um mundo com poucos empregos.

Isso explica a forte expansão do mercado de seguros privados cobrindo não só os riscos de vida mas também os infortúnios da desocupação, da doença e da velhice. Os próprios sistemas previdenciários dos países mais avançados começam a ser reformulados de maneira a combinar recursos públicos com recursos privados para garantir as proteções que antes eram sustentados com a receita arrecadada da situação de emprego fixo e de longa duração.

Novas Formas de Contratar Trabalho

Mais importante do que falar em ganhos e perdas, o mundo moderno está forçando os seres humanos a criar instituições novas que substituam total ou parcialmente as antigas. O início do século XXI será marcado por uma revolução no mundo das leis - tão grande quanto a revolução do mundo do trabalho.

As mudanças invadirão também a área da contratação. Na economia moderna, o trabalhador multifuncional é cada vez mais necessário. Mas enquadrar as suas funções em um contrato de trabalho global é uma tarefa difícil, senão impossível.

Os novos contratos terão de ser também mais adaptáveis às necessidades das empresas e dos trabalhadores. Eles terão de evitar os riscos do detalhismo. Por exemplo, em contratos muito detalhados, trabalhadores insatisfeitos tendem a seguir à risca o que diz o contrato. Disto não surge a eficiência, mas sim a operação padrão, onde tudo é respeitado, e o trabalho não rende.

O novo mundo do trabalho vai revolucionar também o mundo da contratação coletiva. Esta será aplicável para uma parcela cadente da força de trabalho pois diminui cada vez mais a proporção de empregados fixos.

É bem provável que a contratação coletiva venha a ser gradualmente substituída, para uma boa parte da força de trabalho, pela contratação individual. Nos Estados Unidos, a parcela da força de trabalho coberta por contratos coletivos não passa de 15%. O restante está engajado em outras modalidades de trabalho ou trabalham como empregados na base de contratos individuais com as empresas.

É bem provável que, na contratação individual do trabalho, os trabalhadores - empregados ou não -, como já vem acontecendo em vários países, negociarão com os tomadores de seus serviços a forma de pagar as instituições de proteção do trabalho.

Mas, é claro, que determinados trabalhos seguirão sendo executados na situação de emprego fixo. Ademais, toda organização precisa contar com um núcleo de trabalhadores de confiança que depende, em grande parte, de uma relação de trabalho estável e de longa duração.

O mundo atual dispensou a lealdade mas não dispensou a confiança. Quem aceita ser operado por um cirurgião em quem o paciente não se confia?

Assegurar a confiança no trabalho é um outro desafio para os dias atuais. Neste campo, também, terão de ser criadas instituições que tratam de maneira diferenciada os que entram com competência e confiança e os que entram apenas com competência. É bem provável que os atuais sistemas de proteção serão de grande ajuda para atender o primeiro grupo. Mas terão de ser reformulados para atender o segundo.

Seja na condição de empregado ou nas outras modalidades de trabalho, a sociedade moderna está se tornando cada vez mais rigorosa no momento de recrutar os trabalhadores e os serviços. A busca da competência é condição sine qua non para quem deseja sobreviver e progredir nos mercados concorrenciais.

Na verdade, o tempo do apadrinhamento está acabando. Os empregadores deixaram de contratar afilhados com base nos pedidos comovidos de seus padrinhos. Isso é coisa do passado, quando as empresas podiam passar suas ineficiências para os preços que, por sua vez, eram pagos por consumidores sem alternativa em uma economia fechada.

Isso acabou. O velho "pistolão" morreu. Até no governo, ele começa a definhar. Há ainda alguns focos de nepotismo, é verdade, mas a imprensa e a sociedade estão no seu encalço, não dando folga a juizes e parlamentares que ainda tentam nomear na base do parentesco ou amizade.

Hoje, o jogo virou. O mercado está se tornando cada vez mais competitivo. Preços sobrecarregados pela incapacidade ou preguiça de quem trabalha "de favor", levam as empresas à falência. Ninguém quer correr esse risco.

Por isso, em qualquer profissão, como empregado ou outra modalidade de trabalho é imperioso ser bom nela. O sucesso brilha mais para quem fica acima da média.

Vivemos num tempo em que não basta ter um diploma. Aprender a conhecer é importante, sem dúvida. Mas, aprender a fazer é muito mais essencial. Toda vez que alguém passa na porta de uma firma, que não emprega ninguém há vários anos, e diz ser capaz de resolver o problema da empresa, essa pessoa é imediatamente admitida.

A Importância do Vírus da Curiosidade

Educação não cria empregos. Mas, para as oportunidades existentes, sai melhor quem é capaz. Tem mais chance no mercado de trabalho, os que usam bem os conhecimentos que aprenderam. Para tanto é preciso estudar, pelo menos, o dobro do que as escolas normalmente demandam.

O mercado sempre esteve atrás de gente boa, é verdade. Mas a corrida tornou-se frenética com o aumento da competição. E isso vale para os que trabalham como empregados e em outras modalidades de trabalho.

As pesquisas são muito claras. As empresas não esperam contratar quem saiba tudo, mas buscam quem tem obsessão por apreender continuamente. E isso depende de cultivar o hábito de ler e se informar o tempo todo.

É inútil querer conhecer tudo. É perigoso submergir no meio de muita informação. É importante ser seletivo - mas não apenas um bom especialista. O mundo atual exige especialidade e cultura. Sim, porque, nele, as pessoas são demandadas a trabalhar em equipes, e a conviver com pessoas de formação variada.

Por isso, além de estudar com afinco a profissão escolhida, é fundamental informar-se à respeito das profissões da mesma família. O economista precisa ler sobre direito, administração e até engenharia. Da mesma forma que o engenheiro precisa se informar sobre economia, direito e até sociologia - lembrando ainda que, uma boa base de história é útil para quase todos os profissionais.

Para os estudantes, é imperioso não se ater apenas aos assuntos da faculdade. Eles têm que ir além disso para se colocar bem em um mercado crescentemente competitivo. Eles precisam "cultivar", com muito carinho, o vírus da curiosidade.

Prezado leitor: Permita-me contar-lhe um fato verídico. Dei uma palestra, em 1998, para cerca de 900 estudantes universitários de todo o Brasil, que queriam saber a quantas andava o mercado de trabalho para as profissões que escolheram - médicos, advogados, engenheiros, psicólogos, etc. Foi uma excelente reunião. Eles estavam ávidos por informações. No final do evento, indaguei quantos haviam sido atingidos pela triste greve das universidades federais que, naquele ano, paralisou as faculdades por 100 dias.

Mais de 90% levantaram a mão. Indaguei, em seguida, quantos, durante os dias de greve, estudaram em casa, 4 horas por dia. Nenhum moveu o braço!

Foi um quadro chocante. Eles perderam 360 preciosas horas de estudo, que poderiam ter sido usadas para atualizar as leituras, avançar o futuro, explorar outros campos do saber, e ajudar a prepará-los na longa caminhada para ser os melhores nas profissões escolhidas.

Apesar de ter uma escolaridade bem acima da média dos demais brasileiros de sua idade, aqueles jovens não foram preparados para estudar de forma autônoma. Não foram inoculados com o vírus da curiosidade.

Disciplina. Curiosidade. Amor ao conhecimento. Zelo pelo saber. Garra. Esses são os ingredientes mais importantes para as pessoas se prepararem para o mercado, em qualquer profissão e em qualquer modalidade de trabalho. Isso conta mais do que a carreira escolhida, ou o diploma obtido.

As empresas do futuro estarão cada vez mais em busca das pessoas curiosas e interessadas em aprender o tempo todo. Sim, porque um quadro de pessoal que seja adaptável às mudanças, é a melhor vantagem comparativa para enfrentar um mundo de concorrência galopante.

Os critérios de seleção já mudaram bastante, e vão mudar mais. Já foi o tempo em que as pessoas tinham grandes chances no mercado de trabalho, pelo fato de terem sido formadas como engenheiro, administrador ou economista, em boas faculdades. Isso conta, mas não é tudo. E, no mundo de mais trabalho e menos emprego a sua importância é declinante. Não há lei, política ou sindicato que sejam capazes de fazer as empresas contratarem profissionais e serviços de que não é competente.

Na verdade, as empresas já pararam de comprar profissões e faculdades. Elas estão atrás de respostas, e, sobretudo, de pessoas que enfrentam a realidade com uma clara, comprovada disposição de dominar o incompreensível.

Além da competência, o mercado de trabalho demanda qualidades pessoais. A combinação de um espírito combativo, com uma personalidade harmoniosa e um bom comando de si mesmo, é um capital extraordinário num mundo que requer cada vez mais cordialidade, atenção aos clientes, apoio aos consumidores e civilidade na convivência com os colegas de trabalho.

Virou moda publicar estudos e editar revistas que indicam as melhores profissões no mercado de trabalho. Essas publicações são úteis, sem dúvida. Mas, além disso, os candidatos a trabalho precisam formar, desde a sua adolescência, os hábitos de leitura que serão essenciais para o sucesso em qualquer profissão ou modalidade de trabalho.

As boas escolas conseguem informar bem, sendo que muitas delas beiram a fronteira da indigestão. Poucas, porém, sabem como inocular nos seus alunos o vírus da curiosidade. As famílias também conhecem pouco dessa técnica. Por isso, resta aos próprios jovens o desenvolvimento de exercícios de meditação e prática para construírem dentro de si, os indispensáveis ingredientes para vencer a competição dos mercados de trabalho dos dias atuais e do futuro.

Os Problemas do Trabalho no Brasil

Nos países avançados, as novas formas de trabalhar estão encontrando, gradualmente, novas maneiras de proteção. Com raras exceções, o mercado informal é pequeno naqueles países - bem diferente do caso brasileiro.

No final da década de 90, o Brasil registrou cerca 7,5% de desemprego e 57% de informal informalidade. Ou seja, quase dois terços das famílias brasileiras estavam enfrentando problemas na área do trabalho. Ao mesmo tempo, as empresas viviam um dramático desafio para melhorar cada vez mais a sua competitividade.

Os problemas da área do trabalho, no Brasil, são de ordem quantitativa e qualitativa. O País terminou o século gerando cerca de 1 milhão e duzentos mil empregos por ano quando, na verdade, deveria ter gerado mais de 1 milhão e meio de novos postos de trabalho para acomodar os que entraram no mercado de trabalho todos os anos. Houve, portanto, uma inegável deficiência quantitativa.

Mas, além disso, o País exibiu uma grave deficiência qualitativa. Para cada 100 novos postos de trabalho gerados no final da década de 90, 85 ocorreram no mercado informal onde a maioria das pessoas trabalhava de forma precária - e isso mostrou claras tendências de agravamento. Em outras palavras, o mercado informal inchava enquanto que o mercado formal encolhia. Não se trata apenas da emergência de novas formas de trabalhar mas sim de trabalho sem nenhum tipo de proteção.

O agravamento desse quadro foi devido a conjugação de três fatores: crescimento econômico anêmico; legislação trabalhista inflexível; e educação precária.

No que tange ao crescimento econômico, o Brasil apresentou uma taxa média anual de 3% ao longo da década de 90 quando deveria Ter apresentado, pelo menos, 5% ao ano para absorver todas as pessoas que precisam trabalhar.

No terreno da legislação trabalhista, o Brasil possui um quadro legal criado na década de 40, com pesados encargos sociais (102% sobre os salários), pouco espaço para a negociação e que, na verdade, insiste na contratação dos trabalhadores na forma de empregados quando a economia moderna precisa contratá-los em outras modalidades - tempo parcial, subcontratação, terceirização, trabalho por projeto (que tem começo, meio e fim) e o realizado à distância como, por exemplo, o "teletrabalho" e o "telecommuting".

Legislação não gera empregos mas, quando é inflexível, ela impede a acomodação das pessoas num mundo que apresenta oportunidades crescentes no campo do trabalho e decrescentes no campo do emprego.

No que tange à educação, os dados são eloqüentes para mostrar a exigência crescente do mercado de trabalho por boa qualificação. Entre 1992-96, a ocupação (emprego e outras modalidades) reduziu-se em 8% para os que tem menos de 5 anos de escola e aumentou 20% para os que tem entre 5 e 8 anos de escola. Para os que possuem mais do que isso, a ocupação expandiu-se 28%.

Ou seja, a ocupação da força de trabalho está minguando para as pessoas menos educadas. Dos poucos postos de trabalho que são criados, a maioria é reservada para pessoas mais educadas.

Não é para menos, a força de trabalho brasileira possui, em média, apenas 4 anos de escola - e má escola. Os nossos concorrentes do sudeste asiático, têm uma força de trabalho com 10 anos de escola - e boa escola. O Japão tem 11; os Estados Unidos têm 12; e a maioria dos países da Europa está acima disso.

Esse nível de escolarização é insuficiente para as pessoas enfrentarem as mudanças meteóricas que ocorrem nos campos da tecnologia e da produção. A própria população sente isso. Em pesquisa realizada pelo IBGE (PNAD-1997), 78% dos brasileiros acham que seu futuro estará seriamente comprometido se eles não adquirirem mais educação. Esse sentimento é generalizado. Vai desde o que tem diploma universitário até o analfabeto. Nos dias atuais, todos reconhecem a enorme importância da educação para vencer no trabalho.

No velho modelo produtivo, a maioria dos trabalhadores não precisava ser educada - mas, apenas, adestrada para fazer a mesma coisa ao longo de toda a sua vida. Hoje, a velocidade das transformações tecnológicas e administrativas demanda uma grande amplitude de conhecimentos e, sobretudo, uma boa capacidade de apreender.

Tudo indica que mais de 70% do trabalho do futuro vão requerer das pessoas: lógica de raciocínio; compreensão dos processos; capacidade de transferir conhecimentos; prontidão para antecipar e resolver problemas; condições para apreender continuamente; conhecimento de línguas; habilidade para tratar com pessoas e trabalhar em equipe.

Pesquisas recentes mostram que os empresários que, no passado buscavam o trabalhador bem adestrado, hoje em dia, estão atrás do trabalhador bem educado. O adestramento, passou a ser secundário. Isso vale tanto para os trabalhadores empregados como para os que trabalham em outras modalidades.

Por isso, os investimentos em mão-de-obra têm de ir muito além do mero treinamento - têm de partir da educação básica de boa qualidade e chegar na formação profissional completa.

Para o Brasil, esse é um desafio gigantesco. O analfabetismo atinge ainda quase 15% da população e o analfabetismo funcional afeta 50% da força de trabalho. Literalmente, o Brasil precisa alfabetizar cerca de 50% da sua força de trabalho - atual e futura.

Estudos realizados pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ), em 1999, mostraram que a capacidade do trabalhador brasileiro de entender o que lê é muito reduzida. Nos textos com mais de 30 linhas, 75% dos entrevistados não conseguiram sequer localizar a informação básica nele contida. Cerca de 86% das pessoas pesquisadas não compreenderam a conta de juros reais aplicada aos eletrodomésticos que compraram no ano anterior.

A superação desses problemas constitui uma tarefa gigantesca e que só pode ser realizada com base na escola e em mecanismos auxiliares. Essa cruzada requer a mobilização de toda a sociedade e o uso dos mais modernos métodos de pedagogia e comunicação. De uma certa maneira, isso já começa a acontecer. Convém observar que, nos dias atuais, as empresas estão se tornando verdadeiras escolas e as escolas estão sendo demandadas a permanecerem de portas abertas.

Já foi o tempo em que as pessoas passavam pela escola, saia dela para o trabalho e nunca mais voltavam. Ao contrário, o novo mundo do trabalho está exigindo que as pessoas voltem para a escola de tempos em tempos assim como está exigindo que a escola se aproxime do ambiente de trabalho quotidianamente. Para aqueles que trabalham fora da relação de emprego, a busca de conhecimentos depende de esforço próprio e, ao mesmo tempo, é o investimento fundamental para continuarem no mercado de trabalho.

Emprego, Trabalho e Produtividade

A redefinição dos papéis da empresa e da escola é, em si, uma outra revolução. Tradicionalmente essas duas instituições foram operadas de forma estanque e separada. Escola era escola. Empresa era empresa.

Hoje, os investimentos diretos das empresas na capacitação do pessoal que forma o seu núcleo de empregados fixos é questão de vida ou morte. Umas usam intensamente o treinamento em serviço, utilizando-se de seus próprios recursos e conhecimentos. Outras enviam os profissionais para cursos externos, em escolas ou seminários, congressos e estágios. E a maioria combina os dois mecanismos, ou seja, treina dentro e treina fora da empresa.

Nos dias atuais as máquinas tornaram-se relativamente baratas. Nunca foi tão fácil importar um equipamento. O difícil é ter um operador que tire a máxima quilometragem das novas tecnologias. Isso depende de muita preparação. O mesmo ocorre no campo da administração. Nunca foi tão fácil terceirizar, mas as operações mais estratégicas continuam sendo executadas pelo núcleo de pessoal fixo.

Mão-de-obra de qualidade tornou-se o mais precioso capital das empresas. Demitir é caro e penoso para o empresário, especialmente, quando ele precisa admitir mais na frente. É muito simples dizer que o mercado de trabalho tem uma oferta abundante e permite ampla rotatividade. Mas, pergunta-se, a qualidade é abundante? É fácil recrutar um trabalhador que esteja pronto para trabalhar? Que tenha as características acima apontadas?

Quando se leva em conta a qualidade do fator trabalho, verifica-se que, em termos relativos, as máquinas e equipamentos tornaram-se mais baratos do que a mão-de-obra. No Brasil, em 1999, um trabalhador industrial custava, em média, US$ 5.90 por hora (com encargos sociais). Isso era muito pouco quando comparado aos US$ 25.00 da Alemanha; US$ 21.00 da Bélgica; ou mesmo dos US$ 17.00 do Japão ou US$ 16.00 dos Estados Unidos.

Mas, esse valor era muito superior ao que custava por hora o trabalhador industrial de Cingapura, US$ 5.12, ou da Coréia, US$ 4.93. E muito mais elevado ainda do que custavam os trabalhadores da Hungria, US$ 1.80, da Polônia, US$ 1.40, para não falar nos casos da Tailândia, onde eles custavam US$ 0.71 por hora ou da China, US$ 0.54.

Esses países são os mais ferozes concorrentes do Brasil. São eles que tomaram importantes fatias de mercado no campo dos tecidos, confecções, calçados, etc. nos anos de 1994-98

Além do mais, é preciso levar em conta que um trabalhador coreano que tem 10 anos de boa escola e que custa US$ 4.93 por hora é muito mais produtivo do que um trabalhador brasileiro que tem 4 anos de má escola e custa US$ 5.90 por hora.

Como não é fácil cortar salários - o que, aliás, compromete o poder de compra da população e as vendas das empresas - só resta a elas melhorar a produtividade do trabalho.

Por isso, investimentos bem feitos na capacitação dos trabalhadores e, sobretudo, dos futuros trabalhadores é a mais estratégica ação nos dias atuais. Mas isso só pode ser feito pelas empresas em seus próprios empregados que, como vimos, estão decrescendo. O restante terá de ser capacitado por outros mecanismos. Alguns mantidos pelo poder público e pelas próprias empresas, como é o caso no Brasil das agências do Sistema S, e outros apoiados na iniciativa e recursos dos próprios profissionais.

A intensificação desses mecanismos será essencial para o povo brasileiro manter um bom nível de empregabilidade no novo mercado de trabalho. O Brasil terá de escolher entre pouca educação e muita desocupação versus melhor educação e mais ocupação.

Chegamos a um tempo em que a articulação entre a escola e o trabalho é a engenharia social mais estratégica para vencer os desafios atuais. Já foi o tempo em que a empresa e os trabalhadores precisavam tornar-se competitivos. Daqui para frente, eles terão de manter competitivos.

Repetindo, a educação sozinha não gera emprego. Mas ela ajuda a manter as pessoas trabalhando, como empregadas ou em outras modalidades de trabalho, assim como facilita a mudança de uma situação para outra. Os dados são expressivos. Na grande massa de desempregados da Região da Grande São Paulo, onde o desemprego ultrapassou a casa dos 20% em 1999 (medido pela metodologia do DIEESE-SEADE que leva em conta também a informalidade), havia apenas 3,5% de pessoas que cursaram uma faculdade.

Na grande massa de desocupados, havia quase 50% de trabalhadores que não completaram o primeiro grau. Não há dúvida: a desocupação atinge mais em cheio os menos educados. E, nesses casos, o tempo para se conseguir um novo trabalho é extremamente longo - quase um ano, em média.

A recessão e o excesso de oferta de mão-de-obra dão às empresas a oportunidade de selecionar pessoas com mais qualificação no mercado de trabalho. Há casos extremos como, por exemplo, a exigência do primeiro grau completo para os varredores de rua.

Há um segundo fator importante. Nos setores que tradicionalmente sempre empregaram grandes contingentes de mão-de-obra pouco qualificada, como é o caso da construção civil e agricultura - nota-se uma elevação das exigências educacionais por força das mudanças nas tecnologias e métodos de produzir.

Muitas empresas de construção, por exemplo, exigem segundo grau e conhecimentos de informática de seus operários porque a comunicação entre os canteiros de obra e os escritórios, nos dias atuais, é feita por e-mail. As ordens de serviço dos engenheiros são deixadas para os operários em disquetes e formulários de computadores. Os sistemas de células de produção, que terminaram com as chefias intermediárias, "plugaram" no mesmo sistema de informática, operários e controladores de obras - tudo feito à distância, com vistas a economizar mão-de-obra, transporte, energia e vários outros itens importantes na composição do custo das construções.

No caso da agricultura, quem vai aplicar os novos herbicidas, por exemplo, tem de saber ler a bula do produto e ser capaz de fazer a diluição adequada ao tipo de praga a ser combatida, à extensão de área e à natureza do solo - sem falar no conhecimento do equipamento a ser utilizado. Quem lida com avicultura sabe que um aviário funciona com a precisão de uma UTI, o que requer grande competência para vacinar as aves, alimentá-las com regularidade e para manter as condições de temperatura, umidade e pressão adequadas no ambiente.

Compreende-se porque o mercado de trabalho está se tornando tão exigente. Na medida em que as tecnologias e as empresas se transformam, as atividades se entrelaçam cada vez mais. O trabalhador moderno precisa executar várias tarefas. A polivalência passou a ser um requisito essencial. Nunca a educação foi tão crucial para as pessoas conseguirem um emprego e, sobretudo, permanecerem empregadas.

A Nova Administração dos Recursos Humanos

As transformações do mercado de trabalho trouxeram desafios também para os profissionais de recursos humanos.

Até hoje a administração de recursos humanos seguiu as regras dos sistemas de relações de trabalho nacionais e do mundo do emprego fixo. As leis trabalhistas e previdenciárias tinham um impacto substancial na contratação do trabalho, nas formas de remuneração, nos mecanismos de demissão, etc.

Modernamente, porém, as empresas e a concorrência exigem outras formas de contratar, descontratar e remunerar mão-de-obra. Os profissionais de recursos humanos estão sendo demandados a levar em conta estratégias empresariais muito específicas que refletem o ambiente internacionalizado e competitivo. Há uma forte demanda por flexibilização das relações de trabalho e, as leis, ainda que timidamente, vão respondendo a essa demanda com novos tipos de jornadas de trabalho, bancos de horas, contratos por tempo determinado, tempo parcial, etc.

O arcabouço constitucional da legislação trabalhista do Brasil, porém, é de forte rigidez e pouco espaço para a flexibilização. Em nosso País a lei ainda prevalece sobre o negociado enquanto que nos países avançados o negociado prevalece sobre o legislado.

Qual será o futuro do confronto desses dois sistemas de forças? Um vai prevalecer sobre o outro? Quais os impactos disso na administração dos recursos humanos?

A administração dos recursos humanos nos países avançados ainda é feita com base em leis rígidas inflexíveis que condenam o trabalho sem emprego. Elas deixam pouco espaço para os métodos de administração refletirem as condições específicas das empresas.

Os contratos de emprego ainda são dominados pela rigidez da CLT e pelos acordos e convenções coletivas estabelecidos entre sindicatos de empregados e de empregadores. O trabalho fora do emprego, através de terceirização, cooperativas, por projeto, etc. é fortemente perseguido pela fiscalização do Ministério do Trabalho e pelos procuradores do Ministério Público que vêem nessas novas modalidades de trabalhar puras fraudes à legislação trabalhista.

O profissional de recursos humanos se vê sempre entre dois fogos: as novas demandas das empresas e dos trabalhadores e as exigências irrealistas da legislação e das burocracias fiscalizadoras.

Por sua vez, as chamadas "políticas sociais" também se baseavam em leis que pouco levavam em conta as necessidades das empresas e as transformações do mundo do trabalho. Os sistemas de aposentadoria, seguro-desemprego, assistência à saúde, acidente de trabalho, etc. seguiram a longa tradição de fixar regras gerais para serem seguidas por empresas particulares, sem a menor consideração às suas características peculiares.

O governo sempre esperou dos administradores de recursos humanos a obediência às leis e contratos coletivos. Na maioria das vezes, os profissionais de recursos humanos ajustaram-se às regras legais e contratuais. Portanto, as regras macro-sociais sempre foram muito invasivas no ambiente da empresa, ao mesmo tempo em que a administração dos recursos humanos era um espelho daquelas regras.

Hoje, com o avanço da globalização, esse mundo de regras fixas está sendo forçado a uma profunda reformulação o que, por sua vez, tem impactos substanciais nos métodos de administração dos recursos humanos.

Numa primeira fase, as empresas tendem a se orientar para um tipo de administração dos seus recursos humanos sem, contudo, modificar a influência das regras legais e contratuais que vêm de fora para dentro.

Numa segunda fase, dentro da qual nos encontramos, a reestruturação e a flexibilização das relações do trabalho estão ocorrendo dentro e fora das empresas e sob forte pressão das próprias empresas.

Nesse novo mundo, os sistemas de relações do trabalho não são mais aceitos como imutáveis. As necessidades de flexibilização dominam a preocupação dos empresários, que precisam de produtividade e competitividade, e dos trabalhadores, que precisam de trabalho e renda.

O tempo atual passa por um movimento de questionamento a tudo o que até então foi considerado como "cláusulas pétreas". As únicas coisas pétreas na mente dos empregados e empregadores é a sua sobrevivência, o progresso da empresa, o desenvolvimento profissional e a melhoria das suas condições de vida.

Nesse novo cenário, os recursos humanos são vistos como recursos estratégicos. Administrar estrategicamente é valorizar o negócio central da empresa, ajustar o quadro de recursos humanos em função do redesenho da produção e da comercialização em mercados competitivos.

Para o administrador de recursos humanos dos dias atuais, buscar a eficiência da empresa é a sua preocupação central e permanente. Mais do que isso, é de sua responsabilidade introduzir novos métodos de administração e não meramente seguir as leis e as cláusulas contratuais.

Nessa nova tarefa, espera-se do administrador de recursos humanos uma intensa interação com o ambiente externo. Ele é um agente de mudança dentro e fora da empresa de modo a fazer avançar o movimento que começou a se esboçar em meados dos anos 90 e que se intensifica cada vez mais nos dias de hoje nos países avançados que é o dos sistemas de relações do trabalho pré-fabricados cederem lugar, cada vez mais, a sistemas flexíveis que atendam efetivamente as necessidades das empresas e dos trabalhadores.

Nesse movimento, esboça-se uma internalização dos sistemas de relações do trabalho. Os sistemas externos começam a dar sinais de cansaço e a perder a sua dominância. Simultaneamente, as políticas empresariais começam a liderar a nova caminhada.

Mas, não se deve ter ilusões. As regras externas vão continuar por um bom tempo. Elas só serão alteradas quando a maioria dos parlamentares se convencerem da necessidade de mudá-las.

Isso vai depender dos políticos perceberem nos seus eleitores uma consciência clara da necessidade de mudar. Essa realidade vai chegar quando os legisladores conseguiram conectar as dores do sofrimento dos desocupados à permanência de regras que impedem a partida para um mundo menos sofrido. Nessa travessia, os administradores de recursos humanos terão o importante papel pedagógico de mostrar à sociedade o que é o trabalho sem emprego - ou com menos emprego.

Nos países que estão mais avançados nessa travessia, os profissionais de recursos humanos foram os principais agentes de mudança. Esse é o caso da Inglaterra e da Holanda entre 1985-95 quando uma série de modificações foram introduzidas na legislação trabalhista e previdenciária nos campos da jornada de trabalho, rotação profissional, multifuncionalidade, uso de horas-extras, etc. Os sindicatos resistiram, e as mudanças só foram realizadas depois de muitos testemunhos de profissionais de recursos humanos nos parlamentos nacionais.

Isso ocasionou uma profunda modificação do conteúdo das leis e do papel do governo na formação dos sistemas de relações de trabalho. Os governos abriram espaços para as inovações no nível das empresas que fizeram surgir novas jornadas de trabalho, novos métodos de trabalhar, novos tipos de remunerar, etc. - ou seja, mais trabalho, apesar de menos emprego.

Hoje em dia, a principal função daqueles sistemas de relações do trabalho é fazer deslizar o seu apoio da proteção nacional para a competição internacional. Na verdade, a União Européia, por exemplo, busca maneiras de conciliar proteções mínimas com competitividade máxima - no que os profissionais de recursos humanos passaram a ter um papel crucial.

Mais importante do que os efeitos sobre a competitividade das empresas é o efeito sobre as pessoas. Inúmeras peças contraditórias estão sendo articuladas para se superar os problemas de segunda geração que surgem da redução das proteções sociais tradicionais e aumento das proteções individuais contratuais. Essa articulação está exigindo a construção de instituições inexistentes, com a colaboração direta dos profissionais de recursos humanos.

O mundo do trabalho, o século XXI vai se iniciar com o aprofundamento da flexibilização do trabalho e com a passagem de um ambiente no qual as regras trabalhistas eram inteiramente formuladas pela lei para uma situação em que as regras de administração dos recursos humanos serão cada vez mais formuladas dentro das empresas e do próprio mercado de trabalho, levando em conta as especificidades empresariais, a necessidade de ganharem competitividade e a necessidade de manter e fazer crescer as oportunidades de trabalho para os trabalhadores.

Essa travessia vai apresentar um enorme conjunto de desafios aos profissionais de recursos humanos. Esses desafios terão de ser superados ao longo da própria caminhada, pois a marcha em direção à flexibilização não tem volta e, ao mesmo tempo, os seres humanos precisam de um mínimo de segurança para trabalhar, adoecer e se aposentar. Isso vai requerer a formulação e implementação de instituições bem diferentes daquelas que, durante séculos, se basearam no emprego fixo de longa duração, com proteções garantidas por lei.

Por isso, nada melhor do que começar a pensar neles desde já. Penso que esta coleção de textos oferece uma rara oportunidade para os leitores entenderem, e se prepararem para enfrentar esses desafios - mesmo sabendo que, para a maioria, não temos soluções prontas e acabadas. O momento atual é para tomar consciência do que nos espera, estudar e começar a agir.

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