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Publicado em O Jornal da Tarde, 05/05/1999

Trabalho sem salário

O trabalho sem salário foi a regra nos regimes de escravidão. Poucas sociedades praticam esse regime. A Rússia é uma delas.

A grande maioria dos trabalhadores russos estão sem receber salário, em média, há três meses. Os soldados amargam um atraso de quase um ano. No total, empresas e governo devem o equivalente a US$ 12 bilhões aos seus colaboradores.

No regime capitalista, uma situação como essa dispara milhões de ações trabalhistas e pedidos de falência e concordata. Mas, na Rússia a situação é mais complicada. A economia inteira faliu.

As ações impetradas junto aos tribunais, geraram centenas de sentenças, condenando as empresas e o governo. Apesar disso, o atraso continua. Afinal, a grande maioria dos condenados nada têm. Em alguns poucos casos, os juizes confiscaram os automóveis dos diretores, computadores e até móveis de escritório. Ocorre que ninguém compra esses bens.

O atraso dos salários é acompanhado pelo atraso no recolhimento das contribuições previdenciárias o que, por sua vez, ocasiona o atraso no pagamento dos benefícios e pensões aos viúvos e viúvas, assim como aos aposentados.

A situação da Rússia é caótica. O salário mínimo legal corresponde a apenas US$ 13 por mês, o mesmo que se paga a título de seguro-desemprego. Sessenta e quatro por cento dos domicílios vivem com uma renda total de US$ 66,00, para manter uma família de 4 pessoas. Os benefícios e pensões dos mais velhos estão na casa de US$ 12 mensais, o que eqüivale a R$ 20,00!

Para o pobre povo russo, a vida transformou-se em uma aventura desesperadora. Agora, o Estado começa a reduzir rapidamente o secular subsídio que sempre foi dado à habitação, água e luz.

Os russos estão em pânico. Já não têm o que comer. Cerca de 90% das batatas e legumes consumidos foram plantados no quintal.

No meio de tamanha devastação, os sindicatos - agora liberados do Estado - são desafiados a fazer alguma coisa. Ironicamente, eles não encontram apoio da população. A grande maioria de russos que se mantém empregada prefere ficar com o emprego, e "esquecer" o atraso dos salários.

é incrível que, dentro de tanto drama, ressurge a teoria do "deixa quieto". Os sindicatos estão desorientados. Eles não conseguem saber quem é o responsável por aquela desordem.

Há dirigentes sindicais que se atrevem a defender as empresas por considerar que o grande culpado é o governo. Outros chegam a se unir com os empresários quebrados, fazendo um "lobby" contra as autoridades governamentais que deixaram a economia ruir (Simon Clarke, Trade Unions and the Non-Payment of Wages in Russia, International Journal of Manpower, 1998).

é sempre bom olhar para trás para apreciar melhor o que temos pela frente. A crise por que passamos é um verdadeiro refresco perto do sofrimento da gente russa. Os nossos problemas são bem mais simples e, por isso, é extremamente importante enfrentá-los com firmeza, realizarmos os ajustes que se fazem necessário para, com isso, afastarmos de uma vez por todas esse fantasma que apavora a Rússia.