Publicado em O Estado de S. Paulo, 09/07/2000
Menos emprego, mais trabalho
De cada 100 brasileiros que estão trabalhando hoje, apenas 40 têm empregos formais, com carteira assinada, FGTS e Previdência. Essa relação, já preocupante, ainda está piorando. Nos últimos 12 meses, segundo dados do IBGE, foram criados 822 mil empregos nas seis principais regiões metropolitanas, mas apenas 62 mil com carteira, 7,5% do total.
A explicação simples – ou simplória – para essa informalidade crescente é que tudo não passa de uma imensa fraude: maus patrões que não registram seus empregados para sonegar os impostos (pesados) que incidem sobre a folha. Daí, lideranças sindicais e seus associados políticos concluem que basta uma severa fiscalização e tudo estará resolvido, inclusive o déficit do INSS. Do outro lado, certas lideranças empresariais sustentam que basta reduzir os impostos e tudo se legaliza.
Como quase sempre acontece com teses muito simples, estas também estão erradas. Partem de uma verificação parcialmente correta – é verdade que há fraude e é verdade que os impostos sobre a folha são excessivos -, mas cometem o equívoco fatal de generalizar e, assim, ignorar uma realidade muito mais complexa. No caso, as relações de trabalho nas áreas mais novas e dinâmicas da economia.
Há de tudo nesse campo, como enfatizei em artigo publicado pelo Estado no último dia 4: trabalho casual, intermitente, em tempo parcial, subcontratado, terceirizado, realizado em grupo, em cooperativas, por conta própria, por tarefa, por projeto, etc.
Incluem-se nesse grupo profissionais recentes, como o "personal trainer", o criador de "home pages" e o consultor de Internet, mas também tradicionais, como médicos e advogados em regime de cooperativa. Em resumo, no tempo da globalização, encolheu o mundo do emprego e expandiu-se o mundo do trabalho.
O que temos aí é o mercado funcionando e criando a flexibilidade necessária a uma nova realidade econômica. Qual o problema, portanto? É que a legislação trata basicamente do emprego tradicional, considerando as demais formas, ou como simples exceções, ou como irregularidade. E assim a maior parte dos trabalhadores cai na informalidade, com prejuízo para eles próprios e para a sociedade.
Para eles próprios, porque esses trabalhadores não têm qualquer tipo de proteção: não há lei, contrato coletivo nem sindicato. Para a sociedade, porque esses trabalhadores não contribuem nem têm acesso à rede de seguridade social.
A Constituição de 1988, cega às mudanças econômicas já em andamento, ampliou muito os direitos sociais dos trabalhadores, mas vinculando-os ao emprego formal e tentando impor esta modalidade a todo o País. O resultado foi o que se poderia esperar: a crescente informalização e aparente "ilegalidade" de várias formas de trabalho (não empregos) modernas.
Deve-se dizer que o problema não é apenas brasileiro. Na maior parte dos países avançados boa parte das pessoas já está fora das relações formais de trabalho. O viés sindical e político é o mesmo em toda parte e também em instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Não é de estranhar que a reforma da legislação trabalhista seja a mais difícil. Sofre a oposição cerrada dos sindicatos que, como seria de se esperar, estão preocupados apenas em manter a situação de suas categorias. Medidas como a redução de jornada, por exemplo, podem beneficiar os que já têm emprego formal, mas não valem nada para a maioria que está na informalidade.
Ocorre que essa maioria, pelo próprio tipo de atividade, não tem representação sindical. Poderia ter representação política, partidos que tomassem a si a tese da modernização do mercado de trabalho. Mas políticos, como se sabe, temem mais a minoria barulhenta do que a maioria silenciosa.
E assim vai até que a realidade imponha a adaptação da lei. É o ponto a que estamos chegando no Brasil: quando a maioria está fora da lei, é a lei que está fora da realidade.
O governo Fernando Henrique perdeu muito tempo nessa área. Mas ainda está em tempo de pelo menos iniciar alguma coisa, por exemplo, depois das próximas eleições e antes das seguintes.
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