Publicado no Jornal da Tarde, 10/02/1999
Desemprego no ar
Se há um setor que ia muito bem em termos de emprego era o da aviação. Dados do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias indicam que, só em 1998, o mercado aéreo nacional cresceu quase 15%. A expansão do setor foi expressiva. A Infraero revela que, em 1994, as empresas transportaram cerca de 17 milhões de passageiros e em 1998, ultrapassaram a casa dos 25 milhões - um aumento de 47%!
O transporte aéreo emprega muita gente de forma direta e mais ainda de forma indireta. No Brasil, há cerca de 55 mil aeroviários (pessoal em terra) e quase 15 mil aeronautas (pessoal no ar). Mas, se contarmos todos serviços que gravitam em torno da indústria de aviação (comércio em aeroportos, taxistas, seguranças, bombeiros, serviços médicos, imprensa, agências de viagem, etc.), chegaremos a meio milhão de empregos.
O que acontecerá agora com o novo câmbio, tarifas mais altas e certeza de recessão? O quadro preocupa. Viajei na semana passada, de São Paulo para Brasília, num Boeing de 130 lugares, com apenas seis passageiros – menos de 5% da capacidade do avião. Hoje em dia, está viajando apenas quem realmente precisa - bem diferente dos anos de 1997-98, quando as viagens aéreas tornaram-se populares.
O assento de avião é uma das mercadorias mais perecíveis. Lugar vazio é receita perdida e irrecuperável. A ociosidade é o maior fantasma das empresas aéreas.
O setor é muito sensível ao dólar. As empresas têm custos fixos altos, na maioria, dolarizados (leasing, combustível, peças de reposição, etc.).
O transporte aéreo é também muito sujeito aos ciclos econômicos e à renda disponível. Qualquer oscilação nesses fatores, afeta o seu desempenho. Isso é um fenômeno mundial. Nos períodos de baixa, muitas empresas só não quebram porque governos e leis de falências são mais generosos com esse setor.
Voltemos ao Brasil de hoje. Com a elevação das despesas em dólar, a escalada da recessão e o aumento do preço das passagens aéreas, tudo indica que as empresas enfrentarão forte turbulência que, num primeiro estágio, arrebentará do lado mais fraco, provocando desemprego setorial.
Em conversa com dirigentes dos sindicatos dos aeroviários, fiquei sabendo que as dispensas de pessoal já começaram, atingindo, primeiro, o pessoal de terra, ameaçando agora os profissionais do ar e, mais adiante, todos aqueles que indiretamente vivem da aviação. Antevê-se, assim, uma séria crise de emprego em um setor que vinha se comportando tão bem. é uma pena.
Para forçar o retorno aos preços promocionais, cujos descontos chegaram a 60%, as autoridades ameaçam abrir as comportas do mercado nacional para as empresas estrangeiras para aqui operar com vôos "charters" e regulares. Será que isso resolve o problema? Duvido.
Quando se divide a força de trabalho do setor em pilotos, comissários de bordo e pessoal de terra, verifica-se que as empresas estrangeiras, como praxe, recrutam quase a totalidade dos pilotos e 60% dos comissários de bordo no seu país de origem. Mesmo para o pessoal de terra, esse percentual varia entre 15% e 20% (Peter Capelli, Airline Labor Relations, 1995).
Portanto, a eventual entrada de empresas estrangeiras no transporte aéreo nacional teria um pequeno impacto sobre a oferta de empregos para brasileiros.
Está aí mais um desafio para a criatividade de empregados, empregadores e governo. O empenho total no entendimento, como vem ocorrendo no setor automobilístico, parece ser imprescindível para se evitar um mal maior neste momento em que aeroviários e aeronautas rediscutem suas convenções coletivas.
Para o governo, fica a responsabilidade urgente de rever e modernizar as nossas leis trabalhistas, fazendo-se uma travessia dos direitos rígidos para os direitos flexíveis. No setor da aviação, encargos sociais da ordem de 102% incidem sobre o salário mensal de profissionais cuja jornada de trabalho é de apenas 100 horas por mês!
Nesta hora de dificuldades colossais, é importante evitar cortar empregos. A cooperação entre as partes na busca da redução de despesas não salariais parece ser essencial. Quem sabe, com isso, as empresas aéreas readquiram condição para baixar tarifas, atrair passageiros e manter empregados centenas de milhares de brasileiros que tanto precisam trabalhar.
|