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Publicado em O Estado de S. Paulo, 05/09/2006.

Os empregos da Volks

Na vida de um trabalhador, nada mais dramático do que perder o emprego. Na vida do empresário é o mesmo tormento, especialmente quando se trata de demitir empregados parceiros, altamente qualificados e de grande confiança, como no caso da Volkswagen do Brasil. A empresa alega que perdeu competitividade e que precisa reduzir os gastos com pessoal, para evitar o fechamento daquela unidade.

Competitividade depende de vários fatores, inclusive, do custo e qualidade da mão-de-obra. O desequilíbrio nesse custo fez a Volkswagen mundial deslocar várias fábricas para outros países, onde obteve substanciais reduções com mão-de-obra. A unidade que saiu da Alemanha e foi para a Eslováquia, por exemplo, permitiu uma economia anual de mais de US$ 1,8 bilhão nesse item. Aliás, a Eslováquia já recebeu fábricas da Peugeout-Citroen, Kia, Ford e outras. O país, que tem 5,4 milhões de habitantes e PIB de US$ 43 bilhões, tornou-se o maior produtor de carros per capita, ao atingir 800 mil unidades em 2005.

Os últimos cinco anos foram marcados por uma verdadeira revoada de montadoras do oeste para o leste europeu, em especial para a Polônia, República Checa, Hungria e Eslováquia, incluindo-se na lista acima unidades da Fiat, Renault, General Motors, Toyota, Hyundai e Volkswagen.

A diferença entre os salários dos dois lados da Europa é enorme. Por exemplo, a República Checa tem um salário-médio de US$ 4.92 por hora que é 20% do que se paga na Alemanha (US$ 25.07); na Eslováquia (US$ 3.63) é 15% do salário alemão; e na Lituânia (US$ 3.06) é 12%. Um operário especializado em uma montadora de veículos ganha US$ 7.00 na Polônia e US$ 45.00 na Alemanha! Mesmo levando em conta as diferenças de custo de vida, as distâncias são enormes.

E o Brasil como fica nisso? De modo geral, nossos salários são baixos quando comparados com os dos países avançados. Mas, são altos em relação aos nossos concorrentes. O salário de um profissional qualificado na Volkswagen de São Bernardo do Campo é de aproximadamente US $ 6.00 por hora (média) que, com despesas de contratação vai para US$ 12.00, e com benefícios negociados, sobe para quase US$ 15.00. Na Polônia, com base na mesma conta, é de aproximadamente US$ 10.00 por hora.

Com tamanhas diferenças, os países do leste europeu apresentam sensíveis vantagens sobre o Brasil: (1) estão próximos de grandes mercados compradores; (2) fazem parte da União Européia, com livre trânsito alfandegário; (3) oferecem incentivos para atrair capitais; (4) possuem tributos mais baixos; (5) e dispõem de mão-de-obra de boa qualidade e fácil ajuste. Não é a toa que as industrias procuram a região.

Mas, nem todo desastre é inevitável. Na União Européia, várias tentativas de fuga de empresas foram abortadas pela via da negociação. Na Siemens, DaimerChrysler e Bosh da Alemanha, por exemplo, os contratos de trabalho foram renegociados de modo a ampliar a jornada de trabalho de 35 para 40 horas por semana, sem aumento de salário. Na França, a fábrica de componentes automobilísticos da Bosch (localizada em Vénissieux), renegociou o contrato com as centrais sindicais francesas, congelando o aumento de salários até 2008. Além disso, o valor da hora noturna foi reduzido de 25% para 20%; eliminaram-se 6 feriados remunerados; transformou-se a gratificação de fim de ano (fixa) em prêmio de produtividade (variável).

Com isso, as empresas cancelaram seus planos de mudança para outros países. Tais renegociações se espalharam por vários setores da economia, começando pelos fornecedores de auto-peças e terminando nas pequenas e médias empresas em geral.

No caso da Volkswagen, a idéia de sair do Brasil não deve ser blefe, pois se ajusta aos padrões mundiais. Escrevo este artigo antes da realização da assembléia dos trabalhadores da Volks e, portanto, ignorando sua decisão. Penso, porém, que, por mais doloroso que seja, eles também lançarão mão da negociação para salvar os poucos empregos de boa qualidade que ainda restam neste país.

Disso tudo sai uma dura lição: o trabalho foi globalizado. A sorte dos trabalhadores do Brasil depende do que ocorre em várias outras partes do mundo e vice-versa. E, não há sindicato, lei ou político que seja capaz de reverter esse fato. Só restou a negociação.