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Publicado em O Jornal da Tarde, 09/09/1998

Emprego de porta em porta

O Brasil convive com uma taxa de desemprego preocupante (cerca de 8%) e uma proporção de trabalho informal alarmante (57%). Ao lado disso, há uma crescente expansão de novas formas de trabalhar. Esses três fenômenos estão intimamente ligados.

Dentre as novas modalidades de trabalho, estão o trabalho por projeto, a tarefa subcontratada, a atividade em tempo parcial, o tele-trabalho e o trabalho à domicílio como é o caso das vendas diretas.

Os números são impressionantes. As vendas diretas (também chamadas de vendas porta-a-porta) movimentam aproximadamente US$ 4 bilhões por ano, o que posiciona o Brasil em terceiro lugar no mundo, depois dos Estados Unidos e Japão.

A Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas possui dez grandes filiadas. Estima-se que, no total, essas empresas ocupam 500 mil funcionários. é um montante apreciável.

Os que trabalham com vendas diretas possuem educação acima da média. Apenas 10% têm oito anos de escola ou menos; 56% têm entre 8 e 11 anos; e 34% cursaram a universidade, enquanto a força de trabalho do Brasil têm, em média, quatro anos de escola.

Muitos consideram que os profissionais dessa área são sub-utilizados por possuírem nível educacional além do necessário. Afinal, argumentam, abrir um catálogo e exibir produtos não requer grandes conhecimentos.

Qual é o real papel da educação no trabalho nesse tipo de trabalho? Cada vez mais, as atividades do mundo moderno exigem lógica de raciocínio, capacidade de transferir conhecimentos de uma área para outra, habilidade para resolver problemas inesperados, etc.

A venda porta-a-porta ilustra bem essas exigências. Trata-se de uma atividade que implica em contato direto com o consumidor, no ambiente de seu domicílio, o que requer, do lado do vendedor, cortesia de conduta e bons conhecimentos do que vende. Tratam-se de vendas demoradas, nas quais a investigação à respeito do produto ou serviço ofertado tende a ser mais aprofundada do que nas lojas ou nas bancas de camelôs.

Há pouco fundamento na tese da sub-utilização dessas pessoas. Na verdade, a grande maioria das atividades atuais vem exigindo as qualidades acima indicadas. As lanchonetes dos MacDonald's, por exemplo, só recrutam jovens com segundo grau completo.

Desperdício? Nada disso. Para vender sanduíches nesse novo tipo de organização, é necessário ser alerta; ter bom senso; esbanjar cordialidade; trabalhar em grupo; comunicar-se adequadamente. Até hoje não se descobriu outra maneira de inocular todos esses ingredientes nas pessoas senão através da escola e, preferivelmente, boa escola.

Daqui para frente, o Brasil assistirá um aumento da demanda por pessoas qualificadas, polivalentes e multifuncionais. Deverão aumentar também as formas atípicas de trabalho como é o caso das vendas diretas. Ao mesmo tempo, devemos esperar um decréscimo no uso das formas típicas de trabalho como é o caso dos postos de trabalho fixos na mesma empresa e por prazo indeterminado.

Essa revolução vai provocar o encolhimento do emprego e a expansão do trabalho. Só que, nesse mundo, haverá oportunidades crescentes para os bem preparados e decrescentes para os que têm falhas de educação. Portanto, mãos à obra. Jovens de todo o Brasil, educai-vos!