Publicado em O Jornal da Tarde, 22/04/1998
A propriedade do emprego
Afinal, a quem pertence o posto de trabalho? Ele é propriedade da empresa, do trabalhador ou do sindicato?
Nos primórdios do capitalismo ninguém hesitava em responder que os empregos pertenciam às empresas. Nos Estados Unidos ainda é assim para 86% da força de trabalho que não é sindicalizada e não faz negociação coletiva.
Com o avanço do "Estado do Bem Estar", depois da II Guerra Mundial, muitas sociedades passaram a regular, através da lei e do contrato, a liberdade das empresas despedirem seus empregados. Os trabalhadores, com a ajuda dos sindicatos, passaram a participar da contratação e descontratação do trabalho. Em muitos países da Europa isso ainda é assim para mais de 80% da força de trabalho.
Atualmente, porém, está surgindo uma força que vem questionando os critérios tradicionais de propriedade dos postos de trabalho. Segundo ela, grande parte dos empregos não pertence nem às empresas, nem aos empregados e nem aos sindicatos. Os postos de trabalho estão cada vez mais sujeitos ao jogo do mercado global.
Com o avanço da globalização, os empregos são, ora incorporados nas firmas, ora remetidos para fora delas. é crescente o número de empresas de um país que contratam trabalhadores em outro país. Isso já acontece no Brasil com firmas que têm seus projetos de engenharia e outros realizados por profissionais da Índia, Indonésia e até da China por um menor preço, livres de conflitos trabalhistas.
Além de reduzir o custo e a conflituosidade do trabalho, esse expediente está permitindo às empresas uma enorme economia de outros insumos, até mesmo de espaço físico. Você já se deu conta que, das quase 8.760 horas disponíveis em um ano, as empresas utilizam seus escritórios durante menos de 2 mil horas - 23%? é um grande desperdício que o trabalho à distância ajuda a eliminar.
Tudo isso nos leva à conclusão de que os postos de trabalho estão perdendo a sua propriedade. Para o século XXI, antecipa-se uma proliferação de plataformas de trabalho móveis, utilizadas à distância, nas quais os postos de trabalho ficam a mercê dos mercados mundiais (Mark P. Taylor, "Earnings, Independence or Unemployed", Oxford Bulletin of Economics and Statistics, 1996).
Os países que estão mais avançados nesse processo mostram duas regras claras: (1) Desse novo mercado de trabalho só participa quem é educado e tem competência para evoluir junto com as tecnologias. (2) Esse novo mercado exige leis trabalhistas desvinculadas do emprego fixo e, ao mesmo tempo, capazes de amparar a educação, reciclagem e retreinamento assim como de fornecer a proteção à saúde e à velhice dos trabalhadores.
Para participar desse novo mundo, o Brasil tem pela frente dois grandes desafios: acelerar a educação do seu povo e modernizar a legislação trabalhista e previdenciária.
Do lado da legislação, temos de buscar formas de proteger a saúde e a velhice sem atrelar os recursos da seguridade social às folhas de pagamento dos empregos fixos pois, em muitas áreas, eles são fortes candidatos à extinção.
Na medida em que os postos de trabalho vão perdendo a propriedade e se tornando cada vez menos cativos, é fundamental preparar a nossa força de trabalho para poder concorrer nos mercados de trabalho mundiais oferecendo aquilo que, no momento, está sendo ofertado por países que têm um nível de desenvolvimento mas um nível de educação e flexibilidade legal bem mais alto do que o nosso.
Se nada for mudado nessas duas áreas, os maiores concorrentes dos trabalhadores brasileiros serão, não as empresas de outros países, mas os seus companheiros do sudeste asiático que avançaram naqueles dois campos: empregabilidade e flexibilidade.
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