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Publicado em O Jornal da Tarde, 14/04/1998

Roupa dá emprego?

Indústria de confecções emprega 24 milhões de trabalhadores no mercado formal do mundo

Em l997, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) reduziu em 50% as importações de confecções da China até o ano 2000 tendo em vista proteger a indústria nacional que, entre 1995 96, sofreu uma queda de 12% no faturamento e destruiu 30 mil postos de trabalho – ao mesmo tempo em que as importações de camisas chinesas cresceram 433%.

Essa medida não conseguirá barrar por completo a entrada de confecções estrangeiras no Brasil. Os asiáticos mudam os produtos da noite para o dia, alterando tecidos, padronagem e modelos de modo a fazer surgir inúmeras novas roupas que acabam ficando de fora das restrições impostas. Ou seja, mais cedo ou mais tarde, o Brasil terá de introduzir inovações se quiser voltar a produzir e empregar no limite do potencial que esse setor permite.

Postos de trabalho criados ajudam muitas mulheres com menor qualificação

A indústria de confecções emprega 24 milhões de trabalhadores no mercado formal do mundo e mais de 100 milhões no informal – 70 milhões na Ásia. No Brasil, são cerca de 730 e 600 mil, respectivamente. Podemos crescer muito no mercado formal, pois o setor é um dos que mais criam empregos por milhão de real investido.

O Brasil tem inúmeras vantagens comparativas e poderia tirar proveito de tudo isso. Nosso potencial de fibras naturais, artificiais e sintéticas é grande. A capacidade de dominar as novas tecnologias já foi demonstrada pelas empresas que lideram o setor. E a capacitação de pessoal nessa área vem avançando rapidamente com o apoio do Senai e outras escolas técnicas.

Apesar de a indústria de confecções ter passado também por uma extensa transformação tecnológica, o setor ainda utiliza muita mão de obra. As atividades de design, engenharia e corte estão se informatizando e mecanizando aceleradamente, mas as tarefas de costura, inspeção, acabamento e embalagem usam bastante trabalho, em especial, de mulheres.

No final dos anos 60, as empresas americanas migraram em direção a Ásia em busca de mão de obra barata e flexível. Primeiro foi o Japão depois Hong Kong; em seguida Coréia, Taiwan, Tailândia, Malásia, Filipinas, posteriormente Bangladesh, Índia e China.

O aumento do emprego foi impressionante. Entre 1970-90, os postos de trabalho cresceram 37% na Coréia; 271% nas Filipinas; 334% na Indonésia; 385% em Sri Lanka; 416% em Bangladesh; e 597% na Malásia!

Com a instituição do Nafta, em 1994, muitas empresas americanas passaram a investir no México. No período de 1995-97, a participação das exportações mexicanas nas compras dos Estados Unidos subiram 50% enquanto a asiática (com exceção da China) passou a decrescer. Foi o início da volta às Américas e o Brasil poderia muito bem ter tirado proveito disso, em lugar de destruir postos de trabalho como de fato, ocorreu.

Nas confecções, salário, encargos e flexibilidade são cruciais. O cursto-hora na Tailândia é de apenas US$ 0,46; na Índia US$ 0,35; na China,US$ 0,21; e na Indonésia, US$ 0,18 (Edna Bonacich, Global Production in the Apparel Industry, 1994). Um trabalhador mexicano custa US$ 1,50 por hora; um costa riquenho, US$ 1,00 e haitiano US$ 0,60. No Brasil US$ 3,25 – todos os encargos sociais.

As roupas são contratadas por grandes atacadistas que determinam moda, preço e condições de pagamento. Seu poder de fogo é enorme. A Liz Claiborne compra US$ 2 bilhões por ano; a Sara Lee, US$ 4; e a Levi Strauss US$ 5!

Os atacadistas apertam os produtores, que por sua vez, subcontratam a produção com pessoas que, na Ásia e América Central, trabalham envolvendo vizinhos, parentes e amigos na costura de punhos, golas, colarinhos e correções.

A própria moda exige velocidade. Os estilos variam rapidamente e demandam adaptações sutis e grande agilidade nos modos de produzir e comercializar as roupas. Isso requer uma legislação trabalhista amigável e flexível.

Os postos de trabalhos criados pelas confecções ajudam muitas mulheres com menor qualificação, que trabalham em casa ou em cooperativas, conciliando os afazeres domésticos com as atividades econômicas. As confecções representam para as mulheres o que a construção civil significa para os homens; um precioso potencial de trabalho.

Mas, para passar do potencial à realidade, a legislação trabalhista brasileira precisa ajustar-se às peculiaridades do setor, abrindo espaços para o trabalho por empreitas, subcontratado, realizado em casa, em cooperativas saudáveis, etc. Em suma, o Brasil precisa de leis que garantam as proteções mínimas para os trabalhadores sem, no entanto, encarecer demasiadamente o trabalho formal.

é verdade que as confecções no Brasil enfrentam os obstáculos dos juros (que afetam toda a economia) e do livre trânsito de roupas contrabandeadas qu continua resistindo até mesmo às proibições da Camex.

Mas, para reativar o setor e tornar as empresas competitivas, a modernização das leis do trabalho é urgente e constitui uma importante ajuda para estimular a expansão do emprego formal para um segmento da força de trabalho que hoje pressiona fortemente as taxas de desemprego: as mulheres.

Não é possível continuarmos com a mesma legislação para os setores automobilístico, petroquímico, de informática, de calçado, confecções, agricultura, pecuária, etc.. em um mundo que se torna cada vez mais heterogêneo e força as empresas a competir mundialmente. Manter essa homogeneidade é conspirar deliberadamente contra o emprego.