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Publicado em O Jornal da Tarde,20/11/1996

O custo da demissão

O Vicentinho fez greve de fome porque o Ministro do Trabalho colocou em discussão uma proposta para regular as despedidas "não-arbitrárias", ou seja, aquelas que decorrem de motivos econômicos (quando a empresa enfrenta uma grave redução de suas vendas) ou tecnológicos (quando a empresa precisa usar novos equipamentos para aumentar sua produtividade). Nesses casos, o trabalhador dispensado receberia um salário por ano de serviço (entrando o FGTS como parte de pagamento) mais uma multa cujo valor é objeto de negociação.

Várias lideranças sindicais acharam que isso piora a indenização atual (40% do FGTS) e estimula as demissões. Quanto à indenização, o seu valor é desconhecido pois a proposta deixou a multa em aberto. Mas, quanto ao alegado estímulo às demissões, pode-se especular um pouco.

Digamos que o anteprojeto propusesse o inverso - proibindo as demissões quando as vendas despencassem ou quando as empresas inovassem. O que aconteceria na prática?

é óbvio que as empresas quebrariam, colocando na rua todos os seus empregados. A proibição das demissões, nesse caso, não teria nada de protetora. Ao contrário, seria uma cruel conspiração contra empregadores e empregados.

é ilusório, portanto, achar que uma lei do parlamento possa inverter uma lei do mercado. Em uma economia competitiva, o cerceamento da liberdade agrava os problemas dos agentes econômicos. Veja o que acontece na prática.

Os países da Europa possuem leis e contratos coletivos que dificultam as demissões enquanto que os Estados Unidos possuem regras que deixam livre o ato de demitir - exceto para 15% da força de trabalho que está sujeita à contratação coletiva e para os funcionários públicos que seguem leis estaduais.

Pois bem. Na Europa, o desemprego está na casa dos 11%, enquanto que nos Estados Unidos é de apenas 5,5%. Uma parcela enorme dos europeus permanece desempregada por mais de um ano. Na França, são 46% dos desempregados; na Alemanha, 48%; em Portugal, 49%; na Espanha, 57%; na Bélgica, 62%; e na Itália, 63%.

Quando a demissão é difícil, as empresas relutam na hora de admitir e os candidatos a emprego que as procuram, batem com o nariz na porta. A parcela de desempregados que busca um novo emprego há mais de seis meses em Portugal, é de 62%; na Alemanha, 65%; na França, 69%; na Espanha, 72%; na Bélgica, 78%; e na Itália, 80%!

Isso custa caro, pois a grande maioria dos desempregados é mantida pelo seguro-desemprego - instituto que foi criado para uma outra era, quando o desemprego era um fato ocasional e atingia pequenas parcelas da mão de obra durante pouco tempo. Nos dias atuais, a realidade é o inverso disso - razão pela qual os países europeus vêem reformulando inteiramente as bases daquele seguro.

Nos Estados Unidos, onde a demissão é bem mais fácil, o quadro é bem diferente. Além de terem um desemprego muito menor que a Europa, os americanos que ficam desempregados por mais de um ano são menos de 10%. E os que ficam desempregados por mais de seis meses são 17% (OECD, Employment Outlook, 1996).

é claro que o emprego depende de muitos fatores: investimentos, vendas, educação, tecnologia, etc. Mas, as nações em tela são muito semelhantes nesses fatores. O que contribui decisivamente para as diferenças, são as regras de demissão. Com regras rígidas, o desemprego torna-se catastrófico. Com regras flexíveis, ele é administrável.

O Brasil está em uma posição intermediária. A demissão entre nós é mais fácil do que na Europa e mais difícil do que nos Estados Unidos. As conseqüências também ocupam posição intermediária. O desemprego aberto é de 5,5%. Os desempregados que procuram trabalho há mais de um ano são 22% do total. O tempo médio de reemprego é de 5,5 meses (Boletim DIEESE, Junho de 1996) embora, a grande maioria, reingresse no setor informal do mercado de trabalho.

Em suma, mexer nas regras de demissão produz importantes impactos no terreno da admissão. Convém tomar cuidado. Dificultar a saída não é garantia para facilitar a entrada.

O anteprojeto do Ministério do Trabalho precisa ser bem discutido como, aliás, foi solicitado pelos seus autores. Ele tem várias outras partes de grande complexidade como, por exemplo, a regulação da despedida coletiva, o disciplinamento da estabilidade no emprego (em casos especiais) e as possibilidades de reintegração dos trabalhadores demitidos. Como se vê, a sua análise vai muito além dos limites do espaço deste artigo. Mas, prometo voltar ao assunto.