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Publicado em O Estado de S. Paulo, 04/04/2006.

O primeiro emprego na França

A imprensa brasileira divulgou amplamente as manifestações de protestos contra a lei que criou o programa do primeiro emprego na França, mas deixou de explicar em que consiste aquele programa. A única informação divulgada foi que os jovens com menos de 26 anos, contratados nesse programa por dois anos, seriam dispensados sem as proteções que garantem os empregos normais.

O desemprego da França é um dos mais altos da União Européia, chegando a 9,6%. Entre os jovens de 18 a 25 anos, é de 23% e na periferia das grandes cidades ultrapassa os 40% - um dos principais motivos das agitações urbanas de 2005.

Nos últimos anos, o governo francês implantou várias medidas para facilitar a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Dentre elas destacam-se (1) redução do imposto de renda para as pequenas e microempresas; (2) corte de um adicional de imposto de renda no valor de € 1.000 para hotéis, restaurantes, agências de viagem e outras empresas que têm boas condições para contratar jovens; (3) diminuição dos encargos sociais para as empresas que contratam aprendizes; (4) redução dos procedimentos burocráticos-trabalhistas para as pequenas e microempresas; (5) incentivo de € 1.000 para os desempregados que conseguem um emprego por prazo indeterminado.

Apesar disso, os empregadores não se animaram a contratar. Isso porque, o Código do Trabalho da França, torna muito difícil demitir, tanto coletiva quanto individualmente.

As demissões coletivas exigem um motivo legalmente justificável. Os empregadores têm de apresentar suas razões aos sindicatos e aos representantes dos trabalhadores na empresa e deles obter um "de acordo". No caso de impasse, o caso é decidido pela Justiça que acata ou rejeita a justificativa, podendo aplicar multas e ordenar a reintegração dos demitidos.

As demissões individuais estão sujeitas a um processo igualmente complexo. O empregador tem de comunicar a intenção de demitir ao empregado, especificando o motivo. Este continuará no emprego durante o tempo estabelecido no contrato coletivo de trabalho, período em que se realizam negociações, na presença de dirigentes sindicais e representantes dos trabalhadores na empresa. Havendo impasse, o caso sobe para a Justiça que acatará ou rejeitará as razões do empregador, estando este sujeito a multas e reintegração.

Qualquer demissão demanda meses de negociação. Conclusão: os empregadores estão com medo de empregar, especialmente, os mais jovens que não têm experiência.

A lei do primeiro emprego veio para dispensar o ritual acima descrito, visando, com isso, remover o fator medo. O programa, ao contrário do que foi divulgado, oferece uma série de proteções compensatórias, a saber.

Quando a dispensa é de iniciativa da empresa, esta terá de indenizar o dispensado na base de 8% do total da remuneração bruta referente ao período faltante para completar os dois anos. Assim, um empregado contratado por € 1.000 por mês ou € 24.000 por dois anos, se for dispensado depois do primeiro ano, terá direto a uma indenização de 8% sobre € 12.000, ou seja, € 960 - quase um mês de salário. Além disso, as empresas ficam obrigadas a recolher 2% sobre o saldo de salário pendente para a "ASSEDIC" (Association pour l'Emploi dans l'Industrie et le Commerce) - agência que cuida de intermediação de emprego e treinamento dos trabalhadores.

Se a dispensa ocorrer antes do quarto mês, o contratado receberá uma indenização adicional no valor de € 984. Ademais, todos os contratados sob essa lei fazem jus a treinamentos proporcionados pelas empresas contratantes.

Ou seja, não há nada de selvageria na lei aprovada. Ao contrário, ela constitui um estímulo importante para as empresas contratarem quem está disposto a aceitar uma proteção parcial, bem melhor do que a desproteção total da situação de desemprego.

Os manifestantes que protestam contra o novo programa - sindicalistas, estudantes e pais - não demandam mudanças para facilitar o emprego dos jovens. Eles lutam, simplesmente, para manter as proteções que as empresas francesas não podem oferecer, sob o risco de perderem competitividade.

Em face dos protestos, o Presidente Jacques Chirac acenou com a possibilidade de uma nova lei reduzir o prazo para um ano e exigir da empresa uma declaração do motivo da dispensa. A proposta foi rejeitada pelos manifestantes. O impasse continua. De todo modo, o governo teve o mérito de instigar os franceses a raciocinarem sobre a ilusão de se manter leis que oferecem mundos e fundos, sem ser capazes, porém, de proteger quem mais precisa ser protegido.