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Publicado em O Estado de S. Paulo, 15/09/1998

Mitos sobre o trabalho

O que é melhor: tempo parcial ou nenhum trabalho? O tempo parcial precariza o trabalho? Quando acelera o tempo parcial, desacelera o tempo integral?

O mundo atual enfrenta duas alternativas para gerar mais empregos com a mesma taxa de crescimento econômico: reduzir a produtividade do trabalho ou flexibilizar as formas de contratação. A primeira é impensável. A segunda contraria interesses. Ninguém gosta de sair de regras de proteção garantidas para regras de proteção negociadas.

A negociação, entretanto, é a maneira que as empresas encontram para utilizar de modo mais racional e intensivo a sua capacidade produtiva, reduzindo, em conseqüência, os custos de produção e melhorando a competitividade. Do contrário, elas caem fora do mercado, quebram e destroem empregos diretos e indiretos.

Direitos negociáveis estão permitindo o ajuste do trabalho às novas tecnologias, novas demandas, flutuações do mercado e necessidade de aumentar a produtividade.

A flexibilização da jornada de trabalho constitui um exemplo de direito negociável que facilita a garantia do emprego. O mundo atual afasta-se da jornada semanal rígida e caminha para a jornada anual e para o tempo parcial.

Mas, será que o tempo parcial ofusca o tempo integral? Examinando-se os dados da tabela abaixo, verifica-se que, em alguns países, o emprego em tempo integral cresce mais do que o em tempo parcial (Estados Unidos, Dinamarca e Grécia).

Crescimento do Emprego em Países Selecionados (1983-94)

Países

Crescimento do Emprego (%)

Emprego Total Tempo Integral Tempo Parcial

EUA

20,0

17,3

2,7

Bélgica

9,7

3,7

6,0

Dinamarca

5,5

6,9

-1,4

Alemanha

8,6

2,3

6,3

Grécia

7,9

9,2

-1,3

França

0,0

-5,2

5,2

Irlanda

8,0

2,4

5,6

Itália

-2,7

-4,1

1,4

Holanda

19,9

-2,5

22,4

Inglaterra

10,3

3,0

7,3

Fonte: Ulrich Walnei, Are Part-Time Jobs Better than no Jobs?, 1998.

Em outros países, o emprego em tempo parcial cresce mais do que o integral (Bélgica, Alemanha, Irlanda, Inglaterra). Há ainda casos em que o integral decresce e o parcial cresce (França, Itália, e Holanda).

Os dados acima derrubam alguns mitos:

1. O primeiro é o de que a flexibilidade americana leva os Estados Unidos a serem um grande depósito de empregos precários. Nos dez anos considerados, aquele País gerou 20% de empregos novos, sendo que 87% em tempo integral e apenas 13% em tempo parcial.

2. A Dinamarca, depois de abandonar o rígido sistema de regras rígidas e negociação centralizada, também gerou a maioria dos postos de trabalho em tempo integral, tendo até reduzido o emprego em tempo parcial.

3. Por sua vez, a tímida flexibilização da França não conseguiu gerar um só emprego novo, tendo perdido 5,2% dos postos em tempo integral e gerado 5,2% em tempo parcial.

4. A Itália, pior ainda, perdeu 2,7% do emprego total e 4,1% do emprego em tempo integral, tendo gerado, no período, apenas 1,4% de postos de trabalho em tempo parcial.

5. A Holanda e a Inglaterra, de fato, flexibilizaram a lei e geraram a maioria dos novos empregos em tempo parcial, mas passaram a desfrutar de taxas de desemprego inferiores a 5%.

Portanto, não é inexorável que o tempo parcial destroe o tempo integral. E nem tampouco que é uma solução temporária. Em muitos casos, o tempo parcial acomoda as pessoas por muitos anos, tais como os jovens que estudam e trabalham; as mulheres que cuidam do lar e exercem uma profissão; os idosos que buscam complementar sua aposentadoria, etc. O expediente constitui uma alternativa útil para muitos desempregados e para vários grupos específicos.

No Brasil, o governo, que ainda é um grande empregador e precisa melhorar a produtividade do funcionalismo, especialmente na área social, poderia dar uma boa contribuição ao emprego, abrindo, daqui para frente, muitas vagas em tempo parcial com base na Medida Provisória recém editada. O mundo moderno não faz escolhas entre regimes e jornadas de trabalho – mas, combina-os das mais variadas maneiras. A legislação brasileira precisa se aparelhar para esse novo mundo.