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Publicado em O Estado de S. Paulo, 11/11/1997

A globalização do trabalho

O tumulto das bolsas de valores deixou clara a estreita interdependência dos mercados de capitais, com todas as suas belas virtudes e perigosos defeitos. Será que um dia os mercados de trabalho terão essa integração?

Muitos autores acham que já estamos nessa rota. O trabalho é menos móvel do que o capital, é verdade. Mas as novas tecnologias e métodos de produção estão permitindo aos moradores de um país trabalharem para empresas de outro país. Por isso, os mercados de trabalho de um país passaram a influenciar os mercados dos outros.

Richard B. Freeman diz que os salários de muitos americanos estão sendo fixados pelos chineses. Em trabalho recente (Are your Wages Set in Beijing?, 1995), ele explora a tese segundo a qual o empobrecimento dos trabalhadores menos qualificados dos países ricos seria devido aos baixos salários dos trabalhadores dos países mais pobres.

De fato, o salário que remunera um operário alemão, paga 2 americanos, 3 brasileiros, 5 taiwaneses e 128 chineses. Mas, seria essa a causa da atual desigualdade de renda dos Estados Unidos e do desemprego da Europa?

Entre 1970-95 os países ricos passaram a comprar mais dos países pobres. O valor dessas importações passou de 0,4% para 2,5% do PIB dos Estados Unidos e, de 0,5% para 2,1% do PIB da Europa. Mas seria isso suficiente para se dizer que o comércio internacional tornou os americanos mais pobres e os europeus desempregados? Parece que não.

Cerca de 80% do comércio internacional dos países ricos é feito entre eles - todos pagando altos salários. Será que os míseros 20% que vem dos países mais pobres podem causar tanto estrago no Primeiro Mundo?

Os setores mais afetados pelos países pobres - tecidos, calçados, confecções e brinquedos empregam menos de 1% da força de trabalho americana e européia. Como pode isso ser causa dos desquilíbrios alegados?

O problema trabalhista dos países ricos parece residir em outra área. A desigualdade de renda dos Estados Unidos vem sendo provocada muito mais pela elevação dos salários dos trabalhadores mais qualificados do que pela redução da remuneração dos menos qualificados.

Na Europa, o desemprego está mais relacionado com os gastos excessivos com a seguridade social e a reconhecida rigidez trabalhista do que com o comércio internacional. A tendência européia de reduzir as jornadas e elevar salários assim como os estratosféricos gastos com o seguro-desemprego - que na Alemanha chegam a US$ 120 bilhões por ano - estão comprometendo seriamente a capacidade de investir e gerar empregos.

A OECD mostra com competência que nada disso tem a ver com as diferenças de condições de trabalho entre países pobres e ricos ou com o comércio internacional (OECD, Trade, Employment and Labour Standards, 1996).

A crescente utilização dos mercados de trabalho de forma globalizada está levando muitos países a defenderem duvidosas políticas protecionistas, aliás, sempre revestidas de inquestionáveis princípios humanistas como é o caso da proibição do trabalho forçado, escravo e infantil; o respeito à sindicalização e negociação coletiva; a garantia de proteção à saúde dos trabalhadores; e o combate às discriminações de cor, sexo, religião, etc.

Nenhuma nação se nega a evoluir na direção desses direitos. Elas divergem na forma de implementá-los. Grupos empresariais dos países desenvolvidos querem impô-los pela via das sanções comerciais enquanto que os países mais pobres desejam chegar a eles através do próprio desenvolvimento como, aliás, foi feito nos países ricos.

Surpreendentemente, esse é também o pensamento da maioria dos trabalhadores dos países desenvolvidos. Alan B. Krueger (International Labor Standards and Trade, 1996) descobriu que os americanos que vivem nas regiões mais afetadas pelas importações de calçados, tecidos, confecções e brinquedos, estão todos empregados e para eles a redução de impostos, a melhoria da educação, a garantia de aposentadoria e uma boa assistência à saúde são muito mais importantes do que a aplicação de sanções comerciais aos países em desenvolvimento. Isso explica porque os parlamentares dessas regiões, até mesmo os do Partido Democratico, têm pouca simpatia pelo protecionismo.

Quem mais defende o uso de sanções comerciais no campo trabalhista são os empresários diretamente afetados por aquelas exportações. Por isso, antes de se aceitar a idéia de uma regulação mundial dos mercados de trabalho - que já começa a se esboçar - convém estabelecer a diferença entre o verdadeiro trabalhismo e o interesseiro lobismo.