Publicado em O Jornal da Tarde,20/12/1995
O Futuro do Emprego
O novo ano se aproxima. O fim do milênio também. Milhões de jovens se preparam para trabalhar. Outros tantos continuam procurando trabalho. O que será do emprego em 1996? O que se pode esperar até o fim do século?
O cenário de curto prazo
O ano de 1995 foi marcado por fatos contrários. A inflação foi baixa; os preços ficaram estáveis. Para os que estiveram empregados, de modo geral, foi um bom ano.
Mas o desemprego e o emprego informal agravaram-se. Só a indústria paulista despediu mais de 150 mil trabalhadores. No país, há 4 milhões de desempregados e 35 milhões de pessoas no mercado informal.
Ou seja, 1995 foi o ano da estabilização de preços e precarização do trabalho. Do lado conjuntural, as altas taxas de juros, a entrada dos importados e a própria estabilização da economia conspiraram contra o emprego. Na indústria, isso atingiu com mais força os setores de calçados, tecidos, brinquedos e borracha. Houve setores que se aqueceram, sem dúvida, como o de alimentos, bebidas, perfumes, cosméticos e produtos farmacêuticos. Mas, no setor industrial como um todo, as demissões superaram as admissões. O mesmo ocorreu na área financeira onde, só em 1995, foram despedidos quase 100 mil bancários.
Do lado estrutural, as novas tecnologias continuaram dificultando a geração de empregos. Na medida em que a economia se globaliza, as empresas brasileiras são forçadas a melhorar sua eficiência. No período de 1985-95, a produtividade da indústria cresceu 33% enquanto que o emprego decresceu 11%.
Fatores estruturais vêm se combinando com fatores conjunturais, agravando o quadro do emprego. Com taxas de juros externas tão baixas, para muitos produtores compensa mais trazer as matérias primas de fora do que comprá-las aqui dentro. Para outros é mais vantajoso fabricar no exterior do que internamente. E isso ocorre muito mais pela facilidade de financiamento do que por diferenças de produtividade entre as empresas. Seria ilógico deixar de comprar ou produzir fora com créditos de longo prazo e juros de 6% ao ano para comprar no mercado interno com crédito estreito e juros reais de 25%.
é difícil matematizar o impacto dos fatores conjunturais e estruturais na deterioração do quadro de emprego. Mesmo porque, como vimos, eles interagem entre si. Mas, os dados sugerem que 2/3 dos atuais problemas de emprego decorrem de constrangimentos de crédito interno e 1/3 de tecnologia e terceirização.
Se assim é, o que esperar para 1996? Ao que tudo indica, as restrições de crédito continuarão severas e os juros permanecerão altos. O déficit público, que se esperava ter sob domínio, escapou do controle. Má gestão administrativa, socorro a bancos e agricultores, juros altos e gastos com pessoal foram os grandes responsáveis pela verdadeira explosão das dívidas dos governos.
No nível federal, a folha de pessoal pasou a aumentar vegetativamente à base de 1,2% ao mês! Isso elevou os gastos nessa rubrica de US$ 16 bilhões em 1993 para US$ 25 bilhões em 1994 e US$ 36 bilhões em 1995, com previsão de US$ 44 bilhões em 1996. A dívida dos estados, por sua vez, saltou de US$ 115 bilhões no início de 1995 para quase US$ 140 bilhões no final do exercício. Esses desarranjos impedem a necessária redução dos juros e reduzem os investimentos produtivos, o que afeta em cheio o quadro de emprego.
O ligeiro afrouxamento de crédito do final de 1995 - se continuado em 1996 - poderá ajudar a melhorar o consumo mas não será suficiente para acionar investimentos geradores de empregos. Por isso, pode-se antecipar para 1996 a continuidade do quadro atual, ou seja, poucos empregos.
No campo estrutural, tanto a abertura da economia (inclusive no campo dos financiamentos externos) como a terceirização e a modernização tecnológico-organizacional tenderão a se acentuar. O país deverá assistir em 1996 uma substituição crescente de homens por máquinas e um enxugamento ainda mais forte dos quadros de pessoal.
Dos dois lados, portanto, antevê-se um cenário sombrio. O mais grave é que isso tudo cai em um ambiente institucional perverso, o que agrava ainda mais o desemprego estrutural, conforme se explica a seguir.
O cenário de longo prazo
O pavor do desemprego estrutural não é novo. David Ricardo, no início do século XIX, antevia as máquinas como destruidoras dos empregos. Karl Marx, encarava o desemprego como uma doença decorrente da acumulação de capital. Para os dois clássicos, a automação do local de trabalho era a senha para a saída do trabalhador.
Alvin Toffler batizou a atual era da informática como a terceira onda da revolução tecnológica - depois da máquina a vapor e do motor elétrico. O espantoso aumento da produtividade decorrente das novas tecnologias seria o mais forte contra-golpe à geração de empregos.
As novas tecnologias destroem e criam empregos. O difícil é antecipar o saldo. Jeremy Rifkin, da Fundação sobre Tendências Econômicas de Washington, por exemplo, acha que a destruição é maior do que a criação (The End of Job, New York, 1995). Kazutoshi Koshiro, da Universidade de Yokohama (The Economic Impact of Automation with Special Emphasis on Employment, Tokyo, 1990) revela que a geração de empregos tem sido muito superior à sua destruição no caso japonês. Além do mais, as novas tecnologias produziram uma brutal redução de preços dos produtos.
O assunto é controvertido. Há países que usam pesadamente as novas tecnologias e apresentam as mais baixas taxas de desemprego do mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, têm apenas 5,5% de sua força de trabalho desempregada; o Japão 3% e os Tigres Asiáticos, menos de 2%. Outros países usam muita tecnologia e amargam taxas elevadíssimas como é o caso da Alemanha que tem 9%; a Dinamarca, 11%; França, 12%; Bélgica, 14%; e Espanha, 24%!
O impacto desempregador das tecnologias depende dos arranjos institucionais na área trabalhista. Nos Estados Unidos, Japão e Tigres Asiáticos há uma grande flexibilidade para se contratar e remunerar o trabalho. São países de baixos encargos sociais. Na Europa, de um modo geral, as leis e contratos continuam muito rígidos e os encargos sociais relativamente altos e pouco negociáveis.
Leis trabalhistas flexíveis constituem razoáveis amortecedores aos estragos da automação. Além disso, uma boa educação ajuda muito a readaptar os trabalhadores às novas demandas de trabalho criadas pelas próprias tecnologias.
O Brasil, ao persistir com esse quadro legal-trabalhista inflexível e esse baixíssimo nível de educação corre o risco de amargar, no longo prazo, fortes ondas de desemprego estrutural que, somado ao conjuntural e ao trabalho informal colocarão a maior parte da nossa força de trabalho em condições muito precárias.
De tudo isso há uma lição clara: é urgente reduzir a rigidez da legislação e aumentar a qualidade da educação. Só assim podemos enfrentar o desemprego estrutural.
Gerar empregos tornou-se muito caro. Antigamente, com 1% de crescimento econômico gerava-se 0,5% de emprego no setor industrial. Hoje, necessita-se de mais de 2% de crescimento para se conseguir o mesmo 0,5%.
é bem provável que esse quadro está aí para ficar e que a solução do problema do desemprego terá de vir fora do emprego, ou seja, através de outras modalidades de trabalho.
Já há sinais disso. O mundo do futuro está nascendo completamente diferente do atual. Tudo indica que, daqui há uns 10 anos, a grande maioria das pessoas, trabalhará não mais em empregos fixos mas, como autônomos, em projetos que têm começo, meio e fim. Uma vez terminados, elas passarão para outros projetos na mesma empresa ou em outra. Serão frequentes também o trabalho à distância, o teletrabalho, a empreita, a subcontratação, etc. A produtividade do trabalho tenderá a subir e os preços dos bens e serviços tenderão a cair.
Quem sobreviverá nesse novo mundo? Terão mais chances os que puderem continuar acompanhando o ritmo da revolução tecnológico-organizacional. O que forem educados e não meramente adestrados. O novo mundo vai exigir capacidade de criar e transferir conhecimentos de um campo para outro. Será um tempo para quem souber se comunicar, trabalhar em grupo, aprender várias atividades, etc. Será a era da polivalência; da multifuncionalidade; das famílias de profissões.
Para você que é jovem e gosta de estudar, está aí um "kit de sobrevivência" para se enfrentar o desemprego estrutural. Ouça bem os sons do futuro. Eles já estão anunciando: Trabalhadores do mundo, eduquem-se! Leis do mundo, flexibilizem-se!
Um cenário desse tipo constitui um desafio assustador para o Brasil cuja força de trabalho tem apenas 3,5 anos de escola - e má escola. Mas, não há razão para desanimar. A Coréia do Sul saiu da guerra dos anos 50 com 85% de analfabetos! E, em duas décadas, resolveu o problema dando à sua força de trabalho 10 anos de escola - e boa escola. Esse "milagre" foi realizado num tempo em que não havia os atuais recursos pedagógicos como os currículos integrados, as televisões educativas, os videocassetes, etc.
Estamos atrasados, é verdade. Mas dispomos de recursos e podemos evitar erros. O Brasil tem toda condição de, em 10 anos, dar 6 ou 7 anos de boa escola à sua força de trabalho e, dentro de duas décadas, chegar no ponto em que seus trabalhadores poderão ler e entender vários manuais de instruções para, então, enfrentar o mundo dos projetos, da polivalência e da multifuncionalidade.
A morte do emprego não significa a morte do trabalho, e muito menos a morte dos trabalhadores. A educação será a tábua de salvação. A atual revolução tecnológica, como as anteriores, haverá de gerar muito trabalho para quem souber trabalhar. Por isso, comece o ano estudando e nunca pare de estudar.
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