Palestra proferida no Encontro com Fornecedores, FIAT, Belo Horizonte MG , 05/11/2011.
Demanda e oferta de mão de obra qualificada
Um empresário que está construindo uma refinaria de petróleo no nordeste ficou desesperado ao constatar que a empresa contratante lhe "roubou" 50% dos seus melhores funcionários, desde mecânicos e eletricistas até mestres de obras e engenheiros.
A pilhagem está em toda parte. Até mesmo as redes de hotéis só conseguem pessoal qualificado quando tiram de outras - um alerta aos organizadores dos eventos esportivos de 2014 e 2016. As empresas estrangeiras que chegaram ao Brasil no setor de óleo e gás seduziram um grande número de engenheiros, geólogos, geofísicos e técnicos que a duras penas foram formados e estavam trabalhando na Petrobrás. A competição por talentos bem preparados está se transformando numa verdadeira guerra.
Em muitas montadoras de veículos, os aposentados estão sendo chamados para voltar ao trabalho. Outras intensificam a contratação de estagiários e trainees.
A falta de mão de obra qualificada é um fato inquestionável. Segundo pesquisa da CNI, cerca de 70% das indústrias brasileiras estão com dificuldades para preencher os cargos disponíveis. As principais carências estão nos setores da indústria extrativa, veículos, álcool, vestuário, máquina e equipamentos e construção civil.
Outra pesquisa, da Global CEO Study, apontou que 50% dos executivos em geral apontam esse problema como um sério constrangimento para expandir.
Um levantamento realizado pela Manpower indicou que, considerando-se todos os setores, 60% das empresas se ressentem da falta de pessoal qualificado. O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de dificuldades, sendo superado apenas pelo Japão e pela Índia. No Japão, o problema é devido ao envelhecimento da população, e, na Índia ao rápido crescimento, como no Brasil. A média global é de 34%.
O problema afeta todas as empresas e com mais força as pequenas e médias empresas. A região que apresenta a maior carência é o centro-oeste do Brasil, mas o sudeste vem logo em seguida com problemas graves. Em estados do nordeste com grande concentração de investimentos - como Pernambuco, por exemplo - a situação é grave.
Como uma das conseqüências, os salários não param de subir. Em com isso, surgiu um problema novo e preocupante. É o descasamento entre os aumentos salariais e os ganhos de produtividade. No primeiro semestre de 2011 o salário médio real na indústria subiu 5% enquanto que a produtividade ficou estagnada em 0%. Se contarmos o aumento dos benefícios, o descasamento é ainda maior. Isso é grave para o desempenho das empresas e também para os investimentos e os empregos do futuro.
Muitas firmas já buscam candidatos nos bancos das universidades ou das escolas técnicas. Nos dois casos, a maioria os coloca em treinamento assim que entram nas empresas. Cerca de 78% das empresas pesquisadas pela CNI oferecem treinamento próprio.
Nunca as grandes empresas patrocinaram tantos cursos como nos dias atuais. As universidades corporativas proliferam e mantém treinamentos no Brasil e no exterior. Marisa Eboli estima em 150 as empresas que já criaram universidades próprias. A Febraban mantém uma grande quantidade de custos para treinar e especializar os bancários.
E não é só no nível superior. As iniciativas estão ocorrendo também no nível médio. A Walmart, por exemplo, criou a Escola Social do Varejo para formar padeiros, açougueiros, peixeiros, hortifrutigranjeiros. Em 2011 serão treinados 1.700 jovens em vários estados do Brasil.
As dificuldades sobram para as empresas de médio porte que não dispõem de escala e recursos para montar treinamentos desse tipo. Ainda assim, elas são desafiadas a investir mais em treinamento para garantir o suprimento da mão de obra do presente e do futuro. Para elas, as parcerias são mais viáveis. Tenho notícias de que o Sindicato da Industria de Panificação, junto do o Senai e a Prefeitura de Belo Horizonte pretende qualificar um grande numero de funcionários para o setor. Arranjos como este já são antigos nos setor industrial com o SESI e o SENAI.
O problema não se limita às dificuldades de recrutamento. Hoje em dia, reter os bons profissionais é um desafio maior do que recrutar, especialmente, entre os mais jovens que buscam ganhos crescentes e ascensão rápida.
A falta de mão de obra já atinge os não qualificados. Nas lavouras de café, falta gente para a colheita. Na construção civil, está difícil conseguir serventes. O piso salarial é de R$ 765,00, mas inexiste oferta por esse salário. A maioria ganha mais do dobro. Até empregadas domésticas estão diminuindo e a profissão está se transformando e ganhando mais status. Hoje em dia, há quase 70 mil empregados domesticas com diploma universitário e 1,1 milhão com curso médio completo (PNAD-2009). As famílias exigem mais qualificação das babás que cuidam de seus filhos. Isso custa caro.
O Brasil deixou de ser um país de mão de obra abundante e barata. Não fora o alto grau de informalidade que ainda reina no país, estaríamos na situação de pleno emprego. A taxa de desemprego está abaixo de 6,5% há mais de um ano. Nos últimos três meses está estável em 6%.
Os dados do CAGED mostram que a demanda por trabalho perdeu um pouco o ritmo de 2010. Nos últimos três meses, a geração de empregos formais foi 25% menor do que em 2010 - mas aquele foi um ano excepcional. Pode ser que isso venha a pressionar menos o mercado de trabalho em 2012, mas a falta de mão de obra qualificada deve continuar em vista do bom comportamento da massa salarial, do mercado interno e dos projetos em andamento.
Assumindo-se que os investimentos em infra-estrutura, em especial, em hidroelétricas, estradas, portos, estaleiros, refinarias - continuem e até se acelerem nos próximos dois anos, profissionais qualificados continuarão muito cotados.
Ademais, as mudanças tecnológicas exigem novas qualificações. Pouco interessa saber que o Brasil possui 600 mil engenheiros registrados no CREA. É preciso saber quantos dominam as modernas tecnologias da produção moderna. Os diretores de escolas de engenharia dizem que isso ocorre apenas com 20% dos que se formam, sendo difícil converter para as novas exigências os engenheiros que, no tempo das vacas magras, enveredaram para os campos do mercado financeiro, da administração e até dos recursos humanos.
O que acontece com a engenharia ocorre em outras áreas das ciências exatas. Um dos maiores problemas do momento é a grave falta de professores de matemática, física e química para os cursos médios. Outra séria dificuldade é a contratação de pessoas fluentes em línguas estrangeiras.
O problema atinge até as ciências sociais. Quem precisa de um bom advogado se assusta ao ver que 90% dos candidatos são reprovados nos exames da OAB. No campo financeiro, a concessão de um crédito, muitas vezes, depende mais de uma boa solução ambiental do que da capacidade de pagamento do tomador - um grande desafio para economistas que ignoram a ecologia. Para não ir longe demais basta dizer que as empresas de hoje se consideram privilegiadas quando têm em seus quadros, profissionais que dominam bem a linguagem e que dispõem de uma boa redação.
Nossas empresas precisam não apenas de qualificação técnica, mas, sobretudo, de boa escolaridade geral. Além de conhecer bem a sua profissão, espera-se que os profissionais tenham bom senso, lógica de raciocínio, que saibam trabalhar em grupo e que tenham boas noções de controle de custos e das proteções necessárias para garantir saúde e segurança.
O Brasil venceu a batalha da quantidade. Conseguimos matricular as crianças no ensino fundamental. Falta vencer a guerra da qualidade. A caminhada é longa. Matricular foi um avanço, sem dúvida. Mas, educar é um desafio bem maior. Para os futuros profissionais não basta aprender para passar de ano nas escolas. É preciso aprender a pensar. Isso porque os diplomas têm prazo de validade muito curto. Seus conhecimentos se esgotam logo. As empresas não querem "canudos", e sim respostas, se possível, permanentemente atualizadas.
O setor automotivo constitui um desafio à parte. O Brasil está atraindo um grande número de empresas que aqui implantarão muitas fábricas. A demanda por profissionais qualificados é muito grande. Hoje em dia cerca de 46% dos postos de trabalho desse setor exigem algum tipo de curso técnico. Se isso se mantiver na mesma proporção, com mais de 40 fabricas de veículos, a demanda será enorme.
Em outras áreas o problema se repete. Para se implantar a indústria de tablets no Brasil será necessário o concurso de engenheiros elétricos, engenheiros de radio freqüência, engenheiros de telecomunicação e também de pessoas formadas em ciência da computação e sistema de informação, até então inexistentes. Para começar a produção, serão necessários engenheiros de controle e automação e técnicos de eletrônica. A linha de montagem, que usa robôs não é intensiva em mão de obra, mas a finalização do produto exige técnicos de nível médio também inexistentes.
O setor de petróleo e gás também demandará grandes quantidades de profissionais. Só a Petrobras precisará de 200 mil profissionais qualificados até 2013. Estima-se que até 2020 serão gerados cercas de 500 mil novos empregos em torno do pré-sal. É um projeto de país. Esse setor concorre com o automotivo em muitos tipos de profissões.
Os laboratórios multinacionais gostariam de fazer tudo no Brasil, mas estão levando as atividades de pesquisa e desenvolvimento para países da Ásia e do Leste Europeu devido à falta de pessoal especializado entre nós.
Para atender a chegada de tantas novas empresas, teremos de correr na formação de mais profissionais de enormes cadeias produtivas como é o caso do setor automotivo que envolve siderurgia, metal-mecânica, eletricidade, máquinas e equipamentos, construção civil, logística e serviços de todos os tipos, em especial, os de bons gestores.
O Ministro da Educação cita dados sobre a rápida expansão do ensino superior e médio para dizer que a falta de mão de obra é momentânea. O IPEA argumenta que a falta de pessoal técnico, em especial de engenheiros, é devido ao fato de muitos desses profissionais estarem trabalhando em outras áreas - que não a engenharia - e que isso será corrigido pela elevação de salários que atrairá os bons talentos. Mas, o próprio IPEA indica haver cerca de 20 milhões de pessoas a serem treinadas em cursos técnicos.
Mas, no curto prazo, a questão de pessoal qualificado está exigindo soluções engenhosas. Uma delas passa pela formação e retenção dos próprios quadros. Sim porque mais grave do que o recrutamento é a retenção desse pessoal nas empresas.
A retenção já depende não apenas de salários, mas, sobretudo, de ambiente seguro e agradável para trabalhar, de benefícios relevantes para os trabalhadores e seus familiares, perspectivas de treinamento continuado, liberdade de ação, estímulos à criatividade e vários outros requisitos que constituem grandes desafios aos administradores de recursos humanos. O bom ambiente de trabalho é decisivo, em especial, para os jovens da geração Y que, por pouca coisa, trocam de emprego.
E tudo tem de ser feito muito depressa. As mudanças tecnológicas são meteóricas e exigem educação continuada. Essa é uma corrida em relação a um ponto móvel. As novas tecnologias e os nossos concorrentes estão correndo à toda velocidade. [Exemplo 1]. As mudanças institucionais e sociais também são muito rápidas. Estamos num tempo em que a história passou a correr muito depressa. [Exemplo 2].
A área de recursos humanos ocupa um lugar central no processo de crescimento brasileiro.
É claro que tudo passa pela melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio, que constitui a base para uma boa formação universitária. Nesse campo as carências são imensas, não é preciso explicitá-las aqui.
Em vista disso, o que fazer?
Como o processo educacional é demorado, o Brasil terá de queimar etapas e encontrar um atalho. Há sinais são alvissareiros. O reconhecimento do problema tem levado as autoridades a se concentrar em programas mais sérios como é o caso do PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego). As escolas de engenharia acordaram para a necessidade de alinhar os currículos na direção das novas tecnologias. A Presidente Dilma Roussef lidera pessoalmente um programa de 100 mil bolsas de estudo para especialistas nas melhores universidades do mundo, o que vem sendo feito pela China há mais de dez anos. Ou seja, há luzes no fundo do túnel. Mas isso demorará um pouco.
Mas, no curto prazo, o problema só pode ser resolvido com uma intensa mobilização das empresas. A intensificação da conversa entre as universidades, centros de pesquisa, escolas técnicas e empresas é crucial. Acredito muito no impacto positivo que essa conversa pode ter não apenas no treinamento da mão de obra adequada mas também na melhoria da qualidade de ensino de nossas faculdades e escolas técnicas. É a força da demanda.
São animadoras as parcerias que se multiplicam entre empresas, escolas técnicas e universidades.
Esse me parece o caminho que resta a um país que, para crescer depressa, precisa elevar rapidamente a qualidade do seu capital humano - é a união dos esforços do setor público com os do setor privado, com uma grande participação das próprias empresas.
Importante também é modernizar a legislação trabalhista para facilitar a contratação das pessoas nas modalidades exigidas pelos novos negócios. Não podemos correr o risco de formar e não contratar devido a burocracias e leis antiquadas - o que, aliás, já preocupa em muitos casos.
Finalmente, precisamos lembrar de formar nossa gente para o exercício responsável da cidadania. Formar para o mercado e para a democracia é o maior desafio do Brasil para os próximos 10 anos.
Eventos como estes mostram a tomada de consciência do setor empresarial em favor da preparação de bons profissionais. É uma valiosa lição de casa que está sendo feita hoje para garantir o amanhã das empresas e dos nossos jovens. Cumprimento os coordenadores da iniciativa.
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