Artigos 

Publicado em o Estado de S. Paulo, 29/06/2004.

Discriminação: cotas ou ajuda efetiva?

Outro dia, assistindo a uma palestra do ex-presidente Bill Clinton, em São Paulo, ele se referiu a Churchill para revelar que o grande estadista costumava dizer que os americanos sempre acertam depois de tentar todas as outras alternativas...

Naquela manhã, havia lido uma avaliação do sistema de cotas para negros, instituído nos Estados Unidos na década de 60, lembrando-me que o Brasil pretende implantar aquele regime não só para negros como também para ex-alunos de escolas públicas que pretendem entrar nas universidades.

As principais conclusões da referida avaliação foram as seguintes: 1) a partir dos anos 60, os afro-americanos fizeram grandes progressos na escala econômica e social; 2) grande parte dos avanços alcançados foi devido às políticas afirmativas que reduziram as barreiras nas escolas e no trabalho; 3) tais políticas, entretanto, começaram a apresentar resultados decrescentes a partir dos anos 80.

Mais precisamente, os dados são os seguintes. No início dos anos 60, apenas 2% das crianças afro-descendentes cursavam escolas em que a maioria dos alunos era de brancos; em meados dos anos 80, esse porcentual passou a 44%. Se somarmos os hispânicos, mais da metade dos alunos das escolas americanas é formada por minorias.

Mas, aos 17 anos, os afro-descendentes estão três anos atrasados na escola quando comparados com os brancos. Ademais, estes têm uma probabilidade duas vezes maior do que a dos negros para completar a universidade.

Ou seja, a segregação não acabou. Só mudou de patamar. O preconceito que barrava as crianças no primeiro grau dificulta a sua vida na universidade.

O que fazer, então? Atualmente, em lugar de forçar a integração os Estados Unidos estão promovendo a chamada "equalização educacional" em vários Estados. São políticas que reservam recursos expressivos para fundos que sustentam programas voltados para as minorias. Mais do que isso, tais programas escalam os professores mais qualificados para trabalhar com as crianças menos equipadas. E querem que as escolas elevem o nível de aprendizagem dos grupos minoritários para continuar recebendo aqueles recursos.

Essas políticas compensatórias estão dando muito mais resultados do que a reserva de vagas nas universidades. Elas estão invertendo a situação social das minorias no ambiente escolar. As pesquisas mostraram que o aluno de origem negra ou hispânica costumava ser matriculado por força das cotas em escolas nas quais a maioria dos alunos era de famílias pobres e com grandes problemas para aprender.

Os alunos de classe média e mais bem preparados iam a escolas de melhor qualidade, tinham pais de educação mais alta, e expectativas de vida elevadas. Os filhos das minorias iam a escolas precárias, nas quais os professores de má formação interagiam com crianças desprotegidas. Eram escolas em que a rotatividade de professores era intensa. Os resultados da nova abordagem têm sido positivos. Os dados mais claros vêm de Massachusetts onde 90% dos recursos vão para as escolas mais pobres.

Tais programas visam corrigir os desequilíbrios, não através da facilitação da entrada dos estudantes destituídos nas universidades, mas por meio da elevação de sua capacidade ao nível dos demais. Isso custa caro, mas é essencial. Para os Estados Unidos como um todo, estima-se que os programas custarão um adicional de US$50 bilhões para os cofres públicos (William C. Symonds, Business Week, 17/5/2004).

No Brasil queremos fazer o caminho inverso - manter o desequilíbrio nas escolas de primeiro e segundo grau - e corrigir as distorções por lei no ensino do terceiro grau. Muito já se escreveu a respeito para mostrar que isso não vai funcionar. Ao contrário, os primeiros sinais de disfunção já começaram a surgir. De um lado, os alunos preteridos (com notas mais altas) já começam a recorrer à Justiça, obtendo liminares para a matrícula. De outro, já começou uma avalanche de jovens que se declaram afro-descendentes, gerando mais calor do que luz para quem tem de decidir. A manter o sistema, espera-se uma corrida de adolescentes para entrar em escolas públicas onde desfrutarão da garantia de 50% das vagas nas universidades.

O resultado é previsível: mais conflitos e mais desequilíbrios. Os problemas serão mais graves se as cotas vieram a ser por curso e não por universidade. A iniciativa bem-intencionada de colocar todo mundo para dentro das universidades vai deixar muitas pessoas talentosas de fora ou direcioná-las para cursos de pior qualidade. Que justiça social é essa?

As cotas estão longe de ser uma solução mágica. Se assim fosse, não haveria discriminação em país nenhum.