Publicado no Jornal da Tarde, 13/10/2004.
Sede de educação
As manchetes dos jornais festejaram com letras garrafais a melhoria da educação apontada pelo IBGE entre 1993 e 2003. Os brasileiros de dez anos ou mais que tinham, em média, 5 anos de escola, hoje, têm 6,4 anos (IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2003).
Houve uma melhoria, sem dúvida. Mas não é motivo para comemorações. Convenhamos, 6,4 anos de escola não são nada na sociedade moderna. Esse número diz que, na média, os brasileiros ainda não conseguem completar a 7ª série.
Para o grupo dos jovens entre 20 e 24 anos, chega-se a 8,5 anos de estudo. Continua sendo muito pouco em um mercado de trabalho que se torna cada vez mais exigente devido às novas tecnologias e modos de produzir.
Não sejamos catastrofistas. A mesma pesquisa mostrou que a proporção dos brasileiros que têm 11 anos ou mais de estudo passou de 14,4% em 1993 para 24,9% em 2003. Não estaria aí um dado alentador?
Não. Esse avanço tampouco é motivo de festejos. Ele diz que só um quarto dos brasileiros completam o ensino médio ou chegam ao superior. Isso é ridículo quando comparamos a nossa realidade com a dos países desenvolvidos onde 65% das pessoas têm diploma universitário.
Não precisamos chegar à Suécia, Inglaterra, Estados Unidos ou Japão para entender a precariedade do nosso quadro educacional. Temos dados de sobra que denunciam a grave escassez de pessoas preparadas para o trabalho e para a vida. Basta dizer que, em 2003, nas regiões metropolitanas, cerca de 98% das vagas oferecidas foram preenchidas por pessoas que cursaram 11 anos de escola ou mais. Em outras palavras, o patamar mínimo exigido pela maioria das empresas é o do ensino médio completo.
Quem satisfaz a essa exigência? Apenas 25% dos brasileiros que chegaram nesse nível. Os demais 75% ficam no mundo da exclusão - do desemprego prolongado ou do trabalho precário.
Não há dúvida. A sociedade do século 21 exigirá muita educação. Ultimamente, as vagas para quem tem até 8 anos de escola vêem encolhendo. A exceção fica para a agricultura que continua absorvendo trabalhadores com menos educação. Mas isso não vai durar muito pois as tecnologias químicas, mecânicas e biológicas do agronegócio demandam qualificação crescente. Até mesmo a construção civil que tradicionalmente absorvia grandes "exércitos de reserva" de mão-de-obra pouco qualificada já requer o curso médio completo para lidar com os novos materiais e processos.
É triste ver que a apontada melhora "não deu para o gasto". O Brasil continua com uma apavorante sêde de educação. Sem falar que, entre os brasileiros de 15 anos ou mais, ainda há 11% de analfabetos - são 14,5 milhões de pessoas! Sem falar tampouco na qualidade dos anos de escola freqüentados pois, como se sabe, o analfabetismo funcional chega a 75% da população adulta - ou seja, pessoas que não conseguem ler e calcular com desenvoltura. Sem falar, finalmente, dos 61% dos brasileiros adultos e alfabetizados que passam o ano inteiro sem ter contato com um livro.
O nosso quadro educacional ainda é um desastre. Isso é ruim para as pessoas e péssimo para o país. Sabe-se que, para quem adquire quatro anos de estudo, sua renda aumenta 8% ao ano; para quem passa de 11 para 15 anos de estudo, o referido aumento é de 21% ao ano! São os retornos individuais.
Mas, para o país, o retorno é muito superior aos individuais pois, além de aumentar a produtividade, uma boa educação garante melhorias nos quadros da saúde, violência, criminalidade, cidadania e funcionamento de toda a sociedade.
Ou seja, o emprego e a renda são apenas os subprodutos imediatos da educação. O bem estar coletivo e a ampliação dos horizontes das gerações futuras são os subprodutos de longa duração e de cálculo inestimável para o progresso de uma nação.
Por isso, não nos iludamos com as manchetes dos jornais que anunciaram os bons ventos da PNAD 2003 na educação. Houve progresso, sem dúvida. Mas foi apenas a senha para trabalharmos com muito mais afinco nesse campo. Um povo deseducado apaga o passado, compromete o presente e condena o futuro.
|