Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/08/2004.
Falta de qualificação
Não é a primeira vez que isso ocorre. No ano 2000, quando o crescimento econômico teve uma aceleração, muitas indústrias não puderam expandir a produção por falta de profissionais qualificados. Neste ano de 2004 a história se repete. A expansão das exportações e a melhoria da demanda interna provocaram um quase esgotamento do estoque de mão-de-obra qualificada, especialmente no interior do país, para onde se dirigiram muitas empresas.
É verdade que o desemprego prolongado levou milhares de trabalhadores a abandonar suas profissões e partirem para um táxi ou negócio próprio. Mas a falta efetiva de mão-de-obra qualificada não pode ser desprezada.
Os dados divulgados pela imprensa indicam essa falta nos ramos automobilístico, calçadista, bens de capital e máquinas e ferramentas, dentre outros. Em termos de ocupações, faltam mecânicos de manutenção, montadores de instalações elétricas, ferramenteiros, montadores de máquinas e instrumentos de precisão e várias outras profissões que dependem de aprendizagem metódica e prolongada. Mas faltam também profissionais que dependem de treinamento mais rápido como é o caso de encanadores, eletricistas, pintores, funileiros, caldeireiros e soldadores, dentre outros.
Convenhamos, o Brasil é um país carente em recursos humanos qualificados. A nossa força de trabalho tem, em média, apenas 4,5 anos de escola - e má escola. Esse é um bloqueio sério para sustentar o crescimento econômico e a produtividade das empresas. É também uma restrição grave para a empregabilidade dos trabalhadores. As novas tecnologias e novos métodos de produção exigem qualificação crescente.
A grande dificuldade nesse campo não é tanto a de falta de recursos, mas, sobretudo, a complexidade da tarefa de formação profissional. No setor industrial, o SENAI, que tem grande experiência nesse campo, demonstra que o profissional qualificado e polivalente que vem sendo exigido pela empresa moderna é fruto de uma combinação engenhosa de educação básica de boa qualidade aliada à capacitação nas especificidades das várias profissões. Uma sem a outra não funciona. O elo entre educação e especialização é requisito fundamental.
Para se preparar um profissional dentro dessa receita, o desafio é enorme. As instituições de formação profissional, além de prospectar o mercado da melhor maneira possível, têm de desenvolver nos jovens uma competência que lhes dê mobilidade nas áreas vizinhas de suas profissões. Isso não se consegue com treinamentos apressados e nem com o ensino médio geral. É preciso mesclar os dois ingredientes.
Para tanto, aquelas instituições precisam contar com estabilidade administrativa, técnica e financeira. É isso que lhes permite planejar o longo prazo e, ao mesmo tempo, fazer correções periódicas na direção do mercado. Isso exige um acompanhamento das trajetórias das tecnologias e métodos de produção. Não é uma empreitada para amadores.
A maneira mais prática de realizar essa difícil tarefa é atrelando-se as instituições à área empresarial, complementando-se com painéis de especialistas para projetar o futuro, como faz o SENAI. Os empresários e os especialistas sintetizam e transmitem à entidade as tendências das tecnologias e métodos de produção, o que ajuda a necessária reformulação dos currículos.
O sucesso desse processo depende de comunicações precisas entre os que demandam e os que oferecem profissionais qualificados. Na Alemanha, por exemplo, o aluno passa metade do tempo nas instituições de ensino e a outra metade dentro das empresas. Em outros países da Europa, os conselhos diretivos das instituições de formação profissional contam com a participação contínua dos empresários e técnicos.
Isso é também de extrema importância para a vida dos trabalhadores. Os dados mostram que os egressos do SENAI, por exemplo, recebem as melhores ofertas de emprego, ganham salários mais altos e sobem mais depressa na carreira e na escala social.
Enfim, o Brasil não pode descuidar da preparação das pessoas. Hoje em dia, o capital humano é mais decisivo do que o capital físico. O SENAI, embora tenha limitações quantitativas, possui um rico acervo de experiências pedagógicas que convém sejam aproveitadas na criação e expansão de outras entidades.
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