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Publicado em O Estado de S. Paulo, 10/08/2004.

Adestramento vs. educação

Assisti na semana passada a uma excelente palestra do professor Antonio Fernando Costella, patrocinada pela Academia Paulista de Letras sobre a evolução da comunicação humana, desde a invenção da fala, passando pela escrita, palavra impressa, telégrafo, telefone, televisão, Internet e telemática. Com um enorme poder de síntese e precisão de datas, o professor Costella demonstrou que as comunicações sempre foram os grandes aceleradores da história, tendo isso acontecido com maior velocidade nos últimos 50 anos.

Dentre as várias facetas da palestra, preocupei-me, em especial, com uma intrigante questão: Como deve ser a educação nos períodos em que a história se acelera? Seria o caso, simplesmente, de aumentar a quantidade de informações? Seria indicado partir-se diretamente para as especializações?

As respostas a essas questões têm muito a ver com o desenvolvimento econômico e social. Nas últimas quatro ou cinco décadas, o capital humano tornou-se muito mais importante do que o capital físico para o crescimento da economia e mobilidade social. As máquinas e todas as tecnologias de automação tornaram-se muito baratas. A abertura das economias facilitou a importação de novos equipamentos. O grande desafio, agora, é tirar a máxima vantagem das novas tecnologias o que, evidentemente, depende da preparação do ser humano que as maneja.

A velocidade das inovações, de fato, tornou-se meteórica. Na década de 70, uma inovação industrial tinha uma vida útil de dois anos, em média. Na década de 80, isso baixou para um ano e na década de 90 para seis meses. Em muitos casos, uma inovação dura apenas horas. Por exemplo, um banco lança no telejornal da manhã um novo CDB sedutor, de fácil resgate, bons juros e CPMF paga pelo próprio banco. No telejornal da noite, um outro banco lança um CDB ainda mais atraente, o que força o primeiro banco a modificar o seu produto no dia seguinte.

Não há dúvida. Vivemos uma quadra em que a história corre mais depressa. Tudo se modifica com grande velocidade. Nessas condições, é fundamental que os seres humanos sejam capazes de compreender, absorver e usar as inovações.

Para tanto, já não basta ser adestrado, é preciso ser educado – e bem educado. O adestramento ensina a pessoa a fazer uma coisa bem feita pelo resto da vida, mas só isso. A educação ensina a pessoa a apreender continuamente. Isso é fundamental para as pessoas acompanharem o ritmo da mudança. Fora disso, elas se tornam obsoletas e a obsolescência humana é o drama mais pavoroso para as pessoas. Nada pior para um funcionário de 20 anos de firma ouvir de seu chefe: caro amigo, tudo o que você sabe já não interessa mais a esta empresa; e tudo o que interessa, você não sabe. Por isso, tenho de despedi-lo.

Os próprios programas de reciclagem só dão certo quando dirigidos a pessoas com boa educação. Esse é o grande desafio da educação moderna: ser suficientemente geral para dar mobilidade ocupacional às pessoas e ser contidamente específica para fornecer o necessário a respeito das inovações correntes.

O ensino escolar é um processo lento e baseado na repetição de conhecimentos acumulados e nem sempre atualizados. Ou, quando de trata de formação profissional, os programas tendem a ser demasiadamente específicos, aproximando-se muito mais do adestramento do que da educação.

Infelizmente, a educação no Brasil depara-se com problemas anteriores ao desafio acima enunciado. Como diz Maria Luiza Marcílio, competente pesquisadora da história da educação, muitas escolas de primeiro grau diplomam analfabetos. E não é à toa. Para essas escolas, faltam mais de 250 mil professores com formação universitária. Aliás, o Brasil corre o risco de ficar sem professores na rede pública na próxima década. Dos 2,5 milhões de educadores, 60% estão perto de se aposentar, sem reposição equivalente. E quanto à qualidade, nem se fala. Professor de inglês com fluência nessa língua é coisa rara (Maria Luiza Marcílio, "Sem professores?", O Estado de S. Paulo, 15/02/2004).

Como se vê, o sistema de ensino brasileiro está mal aparelhado para a história que corre em ritmo lento e totalmente desfocado para os momentos de aceleração. A velocidade da modernização tecnológica precisa contaminar nosso sistema de ensino para provocar, ao longo dos próximos dez anos, uma inadiável revolução na filosofia e métodos de educar.