Publicado no Jornal da Tarde, 29/05/2002.
As cotas incluem e excluem
Prospera rapidamente a idéia de se criar cotas para os menos protegidos. Já há cotas para mulheres na política e para portadores de deficiência no mercado de trabalho. Fala-se em cotas para portadores do vírus HIV e para negros nas escolas secundárias, universidades, empresas e concursos públicos. Recentemente, o Presidente da República recomendou tais políticas ao tratar da questão dos direitos humanos.
O combate à discriminação é uma necessidade moral, econômica, política e social. A Constituição Federal de 1988 avançou muito nesse campo. Inúmeros projetos de lei tramitam no Congresso para operacionalizar políticas afirmativas.
Por força de lei estadual, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro já reserva 40% das vagas para estudantes negros. Há outros casos semelhantes. Com isso a chance de um negro entrar na universidade aumentou 40 vezes enquanto que a de um branco diminuiu 40 vezes. As cotas incluem e excluem.
As políticas afirmativas têm sido usadas em outros países mas sempre acompanhadas de discussões apaixonadas. Os Estados Unidos possuem tais políticas há mais de 20 anos. Mas, segundo as pesquisas de opinião pública, a maioria dos americanos é contra os programas de privilégio, tanto na educação como no trabalho. A idéia prevalecente é que a sociedade tem de garantir a oportunidade, mas não o sucesso.
As políticas afirmativas funcionam como programas sociais. Em lugar de criar oportunidades, elas procuram assegurar uma paridade entre protegidos e desprotegidos.
Aí é que está o problema. O tratamento preferencial nunca educou e jamais instigou motivação nos seres humanos. Ademais, na tentativa de garantir paridade, os programas começam a criar mecanismos de monitoramento. As dificuldades se agravam. Surgem as burocracias; criam-se as concessões de avaliação; estabelecem-se as exceções e, daí para frente, perde-se a universalidade dos padrões de competência.
Nada disso justifica ser contra a ampliação efetiva das oportunidades dos grupos desprotegidos. Preconceito existe, é inegável. Mas uma grande parte das desvantagens que esses grupos carregam tem muito a ver com a escola básica, a família, a vizinhança, etc. As pesquisas mostram a grande eficiência dos programas que atacam essas raízes e não apenas a facilitação da entrada na universidade ou no mercado de trabalho (Dave M. O'Neill e June O'Neill, "From affirmativa action in the labor market", in Faye J. Crosby e Cheryl VanDeVeer, Sex, Race and Merit, Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2000).
Muitas empresas brasileiras já perceberam a importância estratégica da boa formação das crianças e, por isso, investem maciçamente em educação de boa qualidade e na construção de um bom relacionamento entre as próprias crianças, assim como no ensino de valores sociais e morais.
O exemplo mais eloqüente que conheço é o da Fundação Bradesco que, há muitos anos, decidiu criar uma rede de núcleos educacionais de primeira qualidade nos lugares mais afastados do Brasil. Ali há de tudo: escolas bem equipadas, professores atualizados, ensino de atitudes, íntima interação com as famílias e forte entrosamento com a comunidade.
Crianças educadas dessa maneira não terão dificuldade para competir na escola ou no trabalho. Em outras palavras, as políticas mais afirmativas para reduzir a discriminação são que atuam no início da carreira educacional das pessoas e não no fim.
No caso das universidades, seria mais sensato conceder bolsas de estudo e forte reforço educacional aos estudantes de segundo grau que necessitam de tal ajuda para que, munidos de competência, possam disputar com sucesso as vagas das faculdades.
Sei que isso parece estranho à nossa tradição cultural de proteção pela via do paternalismo mas, certamente, é a maneira mais direta de atacar o problema na sua raiz. O resto é retórica de quem pretende muito mais conquistar simpatias populares do que resolver os problemas dos desprotegidos.
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