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Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/10/2001.

A qualidade dos profissionais

No Segundo Fórum sobre o Desenvolvimento que se realiza hoje e amanhã em Brasília sob os auspícios do Banco Mundial serão apresentados inúmeros trabalhos que se dedicam a analisar as causas e propor soluções para os problemas da pobreza e da desigualdade no Brasil. Todos dão um destaque especial para o papel da educação. A conclusão é uníssona: O Brasil precisa educar mais e melhor a sua juventude para superar aqueles problemas.

A educação, infelizmente, é de efeito demorado, em especial, num país que acumulou um enorme atraso nessa área, e durante tantos séculos. Basta dizer que em 1850, os Estados Unidos tinham cerca de 90% de sua população alfabetizada enquanto que no Brasil havia quase 90% de analfabetos.

Em um dos trabalhos a serem discutidos naquele Fórum, fica claro que, quando se leva em conta os diferentes grupos de idade e a dinâmica demográfica do Brasil (o peso relativo dos mais idosos vai pesar mais no futuro do que agora), a população brasileira terá apenas 1,74 anos de escola a mais do que tem hoje só no ano 2013. Ademais, o impacto desse incremento como redutor da desigualdade social será muito pequeno (Carlos E. Velez e outros, "Reducing schooling inequality in Brazil, Brasília: 2001).

Trata-se, sem dúvida, de uma conclusão desanimadora. Mas, será realista? Penso que é. Nos estudos sobre mobilidade social que acompanham a trajetória das pessoas ao longo de décadas, observamos o mesmo fenômeno.

Ao analisar a importância da educação na ascensão social dos brasileiros durante todo o século XX, verificamos que a educação é, realmente, um dos principais determinantes de mobilidade social e, ao mesmo tempo, um dos mais demorados quando se examinam os seus efeitos na população em geral.

Em uma amostra de âmbito nacional cobrindo homens, chefes de família, que tinham entre 25 e 64 anos em 1996 (redesenhada para a análise aqui apresentada), procuramos analisar a escolaridade média de cada grupo etário (coortes), como fizeram os autores acima citados. A lentidão foi a marca dos resultados. Para as pessoas nascidas na década de 30 - pasmem - a escolaridade média era de apenas 3 anos. Para os nascidos na década de 40, não chegava a 4. Os que nasceram na década de 50, chegaram a 5 anos de escola. E daí para frente foi subindo lentamente até chegar a 5,6 anos para quem nasceu na década de 70 (José Pastore e Nelson do Valle Silva, Mobilidade Social no Brasil, São Paulo: Editora Makron, 2000).

Com base no atual padrão evolutivo, os homens que nasceram em 1998, terão 9 anos de escola somente no ano 2020. Isso significa que uma grande parte dos brasileiros mal completará o primeiro grau - o que, certamente, é muito pouco quando se sabe que a força de trabalho dos dias de hoje na Coréia do Sul, têm 10 anos de escola; a do Japão, 11 anos; a dos Estados Unidos e maior parte dos países da Europa, 12 anos - e todos com educação de boa qualidade. Esses países estão empenhados em garantir um mínimo de 18 anos de escola para a sua força de trabalho até o ano 2010.

Oxalá nenhuma dessas estimativas se concretize para o caso do Brasil. O esforço recente que conseguiu colocar 96% das crianças de 7-14 ano nas escolas de primeiro grau é animador. Isso pode acelerar a escolarização. Mas, o grande desafio, daqui para frente, é o de manter essas crianças nas escolas e dar a elas uma educação que lhes possibilite viver e progredir com base no seu trabalho.

Colocar um aluno na sala de aula é relativamente fácil; faze-lo ouvir o que o professor ensina, também é fácil; promovê-lo automaticamente, mais fácil ainda. Mas capacitá-lo com os conhecimentos e condutas apropriadas para um mercado e trabalho crescentemente exigente, é uma outra história.

Quando se examina o papel da educação, o que realmente pesa para melhorar a distribuição de renda é aquilo que as pessoas aprenderam e não o que lhes foi ensinado e muito menos o número de anos que passaram na escola, especialmente quando se pratica o sistema de progressão automática.

Infelizmente a maioria das pesquisas focalizam apenas os anos de escola, como se pudéssemos avaliar o valor de um violinista pelo número de horas que estudou. Para a audiência, o que interessa é o resultado final do amálgama entre a técnica, a interpretação, o zelo e o amor com que ele executa as melodias.

Em outras palavras, seja qual for o cenário quantitativo que temos pela frente, o investimento na qualidade do ensino, daqui para frente, há de ser o esforço mais prioritário de todos os esforços desta Nação. Não podemos multiplicar a mediocridade que, aliás, já começa a despontar até mesmo nos níveis mais altos do ensino brasileiro. Para concorrer em uma economia complexa, tecnificada e globalizada é indispensável contar com profissionais competentes, ágeis e criativos.