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Publicado em O Estado de S. Paulo, 11/09/2001

Raça, educação e emprego

Na Conferência Mundial contra o Racismo, encerrada na semana passada, em Durban, África do Sul, o Brasil foi declarado como um país preconceituoso e que discrimina os negros. Os estudos sobre mobilidade social confirmam essa assertiva. Como mostra a tabela abaixo, os negros e pardos brasileiros se concentram na base da pirâmide social e sobem mais lentamente do que os brancos.

Classe Social segundo Cor (%)

Classe Social dos Informantes

Cor dos Informantes

Branca

Preta

Parda

Alta

8,7

1,9

2,2

Média Superior

11,1

4,5

4,7

Média Média

15,9

7,9

11,1

Média Inferior

27,9

37,0

28,3

Baixa Superior

19,9

23,7

23,0

Baixa Inferior

16,5

25,1

30,7

Total

100,0

100,0

100,0

Fonte: José Pastore e Nelson do Valle Silva, "Mobilidade Social no Brasil", São Paulo: Makron Books, 2000. Dados do IBGE-PNAD-1996. Os informantes definiram sua própria cor.

A distância de negros e pardos, quando comparados com brancos, é enorme. Na classe social mais baixa, eles somam, respectivamente, 25,1% e 30,7%, enquanto que os brancos ficam em 16,5%. As diferenças se mantém ao longo de toda estrutura social. No topo da pirâmide (classe alta), os negros e pardos somam, respetivamente, 1,9% e 2,2% enquanto que os brancos somam 8,7%. Não há dúvida: negros e pardos enfrentam severos obstáculos para ascender socialmente.

A educação é um dos principais entraves. Por exemplo, na classe baixa inferior, 62,6% dos negros e pardos têm menos de três anos de escola. Essa é uma grande desvantagem inicial que se propaga por toda a estrutura social e gera enormes barreiras para negros e pardos entrarem nas universidades e ocuparem boas posições no trabalho. Entre os brancos, a proporção é de apenas 36,5%.

Mas a educação não explica tudo. Mesmo para pessoas de mesmo nível educacional, a mobilidade social para os negros e pardos é mais penosa do que para os brancos. Estamos longe de uma democracia racial. Como resolver esse problema? Reservar vagas nas universidades e nas empresas?

Na discussão do sistema de cotas, as pessoas tendem a assumir posições extremas. Com freqüência, a paixão passa por cima dos fatos. Mas a literatura sociológica já garante bastante objetividade. Por exemplo, um balanço equilibrado do que deu certo e do que deu errado nos Estados Unidos é apresentado por Faye J. Crosby e Cheryl VanDeVeer, Sex, Race & Merit, Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2000.

Mesmo os mais fervorosos advogados das cotas reconhecem que esse sistema, sozinho, não garante a mobilidade social dos negros. É impossível resolver tal problema pela simples imposição do critério da raça na hora de recrutar. Ao admitir que uma pessoa preencheu uma vaga porque é negra, consolida-se a existência de dois mundos: os que entram pelo mérito e os que entram pela cor. Ninguém quer ser beneficiado a esse ponto. E nem cabe aos governos promover a discriminação, seja ela negativa ou positiva.

Em favor das cotas, pode-se argumentar que, hoje em dia, 26 milhões de trabalhadores e um milhão de estudantes universitários americanos são negros que adentraram na classe média daquele país. Para eles, o sistema teria dado certo.

Não há dúvida que houve uma coexistência da ascensão dos negros e as ações afirmativas iniciadas com a Lei dos Direitos Civis em 1964 e as medidas operacionais tomadas por Lyndon Johnson em 1965. Mas será que o progresso dos negros se deveu às cotas?

Pesquisas mais detalhadas e de caráter histórico demonstram que a mobilidade social dos negros americanos começou muito antes da implantação do sistema de cotas e teve como propulsor principal a garantia de acesso para as crianças negras em boas escolas de primeiro e segundo graus. Entre 1940 e 1970 a proporção de homens negros em profissões qualificadas passou de 5% para 22%. No caso das mulheres negras, o salto foi de 6% para 36%. Ou seja, já existia uma classe média expressiva entre os negros americanos em meados dos anos 60, quando começou o sistema de cotas (Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, America in Black and White, New York: Touchstone Books, 1997).

Isso não elimina a necessidade das ações afirmativas. Mas estas não podem se confundir com tratamento preferencial. Tais ações têm de garantir uma boa educação para os grupos em desvantagem. Tratam-se de ações realizadas na ponta da linha da vida e não na porta da universidade ou da empresa. Programas compensatórios têm de se concentrar nas crianças e adolescentes. "Se o ensino oferecido aos carentes tem qualidade inferior, é preciso elevar o seu padrão e não decretar que essa desqualificação não tem importância" (Editorial de O Estado de S. Paulo, 29/08/01). Em outras palavras, as ações afirmativas devem compensar as desvantagens, mas jamais garantir o sucesso deste ou daquele grupo. É dessa forma que se abre o caminho para os cidadãos subirem numa sociedade democrática.