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Publicado em O Estado de S. Paulo, 17/07/2001

Educação: o que conta é qualidade

Dois recentes relatórios de órgãos da ONU enfatizam de maneira dramática a importância da qualidade da educação para o progresso das sociedades contemporâneas. O primeiro é o "Relatório do Desenvolvimento Humano", elaborado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). O segundo é o "Relatório Mundial de Emprego", elaborado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Os dois estudos deixam claro que na sociedade atual só tem chance quem domina conhecimentos de boa qualidade. Isso tem pouco a ver com anos de escola; e menos ainda com diploma. Conhecimentos de boa qualidade são aqueles que tornam os seres humanos produtivos e criativos, facilitando a aquisição de mais e melhores conhecimentos.

Sem esse tipo de conhecimentos, as oportunidades de desenvolvimento individual e social do mundo atual permanecem inacessíveis. A sociedade moderna precisa de cidadãos capazes para oferecer respostas rápidas às mudanças que ocorrem nos campos do trabalho, economia, política e cultura.

É claro que um grande número de atividades ainda exige conhecimentos bastante inferiores aos que são requeridos pelos setores de ponta. Mas esse quadro está mudando. A globalização, a revolução tecnológica e os novos modos de trabalhar tornam os seres humanos rapidamente obsoletos quando são mal preparados. Não há outra saída: os países que desejam desfrutar dos benefícios da modernização têm de equipar seus povos com conhecimentos de alta qualidade. É isso que permite absorver inovações e criar outras. A alfabetização digital é essencial. A capacidade de se comunicar adequadamente é indispensável. A maleabilidade para trabalhar em grupo é fundamental.

No campo da educação, o Brasil tem feito um grande esforço no campo quantitativo, aumentando matrículas e diminuindo a repetência e a evasão escolares. Nos últimos dez anos, reduzimos os que estão fora da escola de 16% para 4%. Os que completam o segundo grau passaram de 11% para 19%. As matriculas nas universidades aumentaram quase 20%.

Tudo isso é louvável, mas está muito longe da qualidade dos conhecimentos tratada naqueles relatórios. Mesmo porque o Brasil possui ainda 13% de "analfabetos literais" e 29% de "analfabetos funcionais". Além disso, as pesquisas indicam que a maioria dos nossos alunos tem um domínio precário de linguagem, matemática e ciências. E não é para menos: 780 mil professores das escolas de primeiro grau (56%) não passaram pela universidade e 124 mil (9%) não concluíram sequer o segundo grau. A nossa força de trabalho tem, em média, 4,5 anos de escola - e má escola - o que nos deixa distante de vários países de renda média na América Latina (Chile, Costa Rica, Uruguai e outros) e anos luz das nações mais avançadas.

Essas nações não se contentam em educar bem as crianças e os jovens. Passaram a investir pesadamente na qualificação dos que já estão trabalhando. Na Inglaterra, 90% das empresas dão cursos aos seus empregados (Department of Education and Training, Skills for all, Sheffield, 2000). Nos Estados Unidos até os trabalhadores temporários começam a ser treinados em serviço (Martijn van Velzen, "Training for flexible staff", Congresso Europeu de Relações do Trabalho, Oslo, 2001). A Noruega, primeiro colocado no Índice de Desenvolvimento Humano de 2001, acaba de aprovar a Lei no. 38, de 26/05/2000, segundo a qual, para cada dois anos de trabalho em determinada empresa, o empregado tem direito a se afastar, parcial ou totalmente, por até três anos, para se reciclar e evitar a obsolescência!

É verdade que esses são países de fronteira. Mas, uma coisa é certa. Nos dias de hoje, não tem mais cabimento medir a capacidade de um povo pela quantidade de anos que passa na escola. O que conta é a qualidade da educação; a escola que ensina o aluno a apreender sozinho e que introduz nos jovens o vírus da curiosidade. É isso que faz as pessoas a ter gosto pela leitura e pela descoberta do novo. No Brasil, levantamento recente mostrou que só 30% dos brasileiros leram livros nos últimos três meses, incluindo-se ai a Bíblia, textos religiosos, de culinária, informática e material em quadrinhos (Câmara Brasileira do Livro, 2001).

Educação de boa qualidade tem um impacto expressivo na geração e difusão de inovações. Por isso, conclui o relatório do PNUD: "O desenvolvimento humano e o avanço tecnológico reforçam-se mutuamente, criando, como conseqüência, um círculo virtuoso de conhecimentos". O relatório da OIT vai na mesma direção: "A capacidade de transformar o conhecimento existente em novo conhecimento, constitui a principal vantagem comparativa de um povo".

Tudo isso se resume em uma só mensagem: as nações em desenvolvimento precisam alavancar rapidamente a qualidade da educação e promover uma grande guinada nas metodologias de ensino. Não basta transmitir informações. É preciso inocular nos alunos a capacidade de apreender continuamente.

Será que o Brasil vai poder gastar uma década para superar suas deficiências quantitativas para, só então entrar no campo da qualidade da educação? Penso que não. Temos queimar etapas e encurtar distâncias, pois os países mais avançados continuarão fazendo pesados investimentos nesse campo, o que os manterá dominando os conhecimentos e as tecnologias, tirando as melhores vantagens da globalização.