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Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/04/2001

A qualidade da mão-de-obra da agricultura

Durante muito tempo argumentou-se que o Brasil podia colocar uma grande parte dos trabalhadores de baixa qualificação nos setores da agricultura, construção civil e pequeno comércio. Tais setores, por demandarem pouco conhecimento tecnológico, teriam condições de absorver uma parcela considerável da força de trabalho menos preparada.

Quando se observa o ritmo de modernização por que passam esses setores, porém, é impossível sustentar essa tese nos dias atuais. Tomemos o caso da agricultura.

O Brasil ainda têm cerca de 25 milhões de pessoas que fazem parte da população economicamente ativa do meio rural. Destas, mais de 15 milhões (quase 20% da PEA) trabalham em atividades agrícolas e 10 milhões em atividades não-agrícolas (garimpo, pesca, carvão, olarias e outras, inclusive, as ligadas ao comércio, indústria e serviços locais).

Nesse campo, o Brasil difere bastante dos países mais avançados. No grupo do G-7, a média dos que trabalham na agropecuária é de 3,6%; nos Estados Unidos, 2,7%; na Inglaterra, 1,7%. É preciso registrar ainda a enormidade das safras daqueles países. Estamos exultantes porque chegamos na casa dos 90 milhões de toneladas de grãos. Só a safra de milho dos Estados Unidos é de 240 milhões de toneladas.

A razão dessa diferença reside, basicamente, no emprego maciço de tecnologias químicas, mecânicas e biológicas. Por trás dessas tecnologias está o ser humano. Pouco pode ser feito quando o trabalhador é despreparado.

As inovações não param de ser ofertadas. Há vários anos, visito as feiras de produtos agropecuários para perguntar aos vendedores o que é necessário saber para se utilizar os produtos e implementos que estão lançando.

Quando um vendedor me explica que, para obter eficiência máxima de um novo herbicida, por exemplo, é necessário que o trabalhador leia a bula atentamente, faça a diluição correta, calcule a quantidade do produto em função da extensão da área e da vegetação a ser eliminada, escolha o bico adequado para fazer a aspersão e assim por diante - vejo que esse trabalhador não pode ser analfabeto.

A Revista Tecnologia e Treinamento Agropecuário da Universidade de Viçosa, como várias outras do gênero, anunciam vídeo tapes educativos sobre práticas agropecuárias baseadas em tecnologias modernas. Para aproveitar os ensinamentos, é fundamental usar o bom senso; ter lógica de raciocínio; possuir um bom domínio da linguagem e outras habilidades cognitivas inexistentes na maioria dos que trabalham na agropecuária do Brasil.

Uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Agricultura revelou que, entre os proprietários e arrendatários - a nata da força de trabalho do setor - a maioria não tem mais de 4 anos de escola. Escolaridade mais alta é encontrada entre os seus filhos jovens, mas estes já saíram da agricultura há muito tempo, deixando no campo, uma legião de proprietários e arrendatários idosos de educação precária - o que bloqueia severamente a adoção de pacotes tecnológicos mais eficientes (CNA, Um perfil do agricultor brasileiro, Brasília, 1999).

A escolaridade dos empregados, diaristas ou tarefeiros cai para dois anos. Com essa educação, atingir a produtividade que garante safras de grãos da ordem de 150 ou 200 milhões de toneladas é impossível.

A idéia de que o setor da agropecuária poderá acomodar mão-de-obra de baixa qualificação é um mito. A realidade é outra. Quem entra num aviário moderno, por exemplo, tem a sensação de estar numa Unidade de Terapia Intensiva onde o controle rigoroso de temperatura, umidade, pressão, alimentação e vacinação separa o sucesso do fracasso. Na suinocultura dá-se o mesmo. Na produção de flores as exigências ainda mais altas. Foi-se o tempo quando mão-de-obra agrícola não-qualificada era tida como grande vantagem comparativa. Hoje é a maior de todas as desvantagens.

A necessidade de se acelerar a educação não se restringe à indústria, comércio e serviços. Ela é igualmente crucial para a agricultura, pecuária, silvicultura, aquicultura, extrativismo, agroindústria e agroturismo.

O esforço do SENAR e das escolas técnicas é louvável, mas insuficiente. Para uma imensidão de 15 milhões de trabalhadores agrícolas, essas instituições treinam menos de 500 mil pessoas por ano. Levando-se em conta que elas necessitam de educação continuada, as metas atuais precisam ser substancialmente ampliadas.

Nos últimos 50 anos, a agricultura se tornou um negócio especializado em todo o mundo. A quantidade de alimentos per capita aumentou 25% e o preço caiu 40% em termos reais - graças à produtividade.

Mutio se tem falado à respeito do protecionismo dos países mais ricos. Isso constitui, sem dúvida, um grande entrave às nossas exportações agrícolas. Mas, se é difícil enfrentar esse problema com tecnologia, produtividade e trabalhadores bem educados, impossível será, com grupos despreparados. Está na hora de alavancarmos a qualificação da mão-de-obra do campo.