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Publicado no Jornal da Tarde, 25/12/2002.

Você gosta do que faz?

Nestes tempos em que se fala tanto em redução de jornada de trabalho, você gostaria de trabalhar mais ou menos? Como vai a sua satisfação no trabalho atual? Você se sente estressado? Como é o seu relacionamento com o chefe e colegas? Como você vê seu futuro nesse trabalho? O que pretende fazer depois de parar de trabalhar?

Essas perguntas foram feitas a uma amostra nacional de brasileiros em pesquisa realizada pelo DataFolha, no fim de 2001. Qual e o seu palpite? Os brasileiros gostam do que fazem?

Por incrível que pareça, 96% dos brasileiros estão satisfeitos no trabalho que têm (61% se consideram felizes ou muito felizes e 35% se dizem medianamente felizes). Apenas 4% desgostam do que fazem.

Será que isso chega a ser fanatismo pelo trabalho? Nem tanto. Poucos são os workaholics. Na verdade, os que se dizem mais satisfeitos são os que trabalham menos, como é o caso, por exemplo, dos bancários, cuja jornada é de apenas 30 horas por semana.

Mas não se pode dizer que os brasileiros são folgados. Ao contrário, a maioria trabalha mais de 40 horas por semana. Não só isso. Cerca de 60% ficam mais satisfeitos quando fazem horas extras.

Como interpretar esses fatos? Muito simples: por um "salário seco", o brasileiro quer trabalhar o menos possível. Mas, por um "salário turbinado", está disposto a trabalhar mais – e se sente bem assim.

No mundo em que se dissemina o horário variável, só 25% gostam dele. A maioria (75%) prefere horário fixo, com hora para começar e acabar.

Entretanto, a proporção dos "flexíveis" aumenta para 50% entre os que têm curso superior. As pessoas mais educadas sonham com autonomia e liberdade.

Nos Estados Unidos não existe a figura de "férias legais". O descanso é negociado entre as partes e, em geral, não passa de 15 dias por ano. Nos países da Ásia é a mesma coisa, só que as férias são ainda mais curtas: 8 ou 10 dias por ano. No Brasil, a lei garante 30 dias por ano.

O que acontece na prática? Menos da metade dos brasileiros (46%) tira férias anualmente; a maioria não tira. Isso se agrava entre os menos educados.

Entre os que têm apenas o primeiro grau, só 36% tiram férias. A grande responsável por esse fato é a informalidade. Entre os que vivem de bico, só 22% gozam férias; entre os assalariados formais, 78%.

A pesquisa verificou que os trabalhadores por conta própria trabalham mais dias por ano. O mesmo ocorre com os empresários. Entre eles, só 35% tiram férias anuais, contra 76% dos assalariados. Este grupo representa 50% dos que trabalham. Ou seja, a lei de férias brasileira é bastante generosa, mas só vale para metade da população. Se considerarmos apenas os assalariados formais, ela vale para uma pequena minoria de pessoas (cerca de 20%).

A distorção não pára aí. Entre os que tiram férias, apenas 38% usam os 30 dias legais. Os demais usam menos. Apesar disso, para dois terços dos entrevistados, o tempo para férias e lazer é suficiente. Não houve queixas expressivas. Ou seja, a maioria dos brasileiros trabalha bastante, tira poucas férias e se sente satisfeita.

Mas a satisfação depende do que se faz. Os mais felizes são os profissionais liberais e autônomos legalizados (71%). Em seguida, vêm os empresários (68%).

Depois, os funcionários públicos (64%) e, por último, os assalariados (63%).

Os menos felizes são os que trabalham no mercado informal. Não é à toa. Além de trabalho e renda intermitentes, essas pessoas não têm um mínimo de proteção nas horas de desemprego, doença, velhice e depois da morte, pois nada deixam para seus descendentes.

A que os brasileiros atribuem o sucesso profissional nos dias de hoje?

Respondendo espontaneamente, 28% dão prioridade máxima à boa educação; em segundo lugar, com 24%, vem a dedicação; cerca de 21% ressaltaram a honestidade; e 16% enfatizaram a competência. Ou seja, estudo e competência respondem por 44%, enquanto que dedicação e honestidade respondem por 30%.

Para 75% dos pesquisados, esse "pacote de eficiência" é crucial para o sucesso profissional.

Os brasileiros são muito realistas em relação ao que o mercado de trabalho espera. Ficou para trás o tempo em que as empresas contratavam por apadrinhamento ou pistolão. Hoje, elas buscam competência, zelo, dedicação e gosto pelo trabalho. Esses fatores são igualmente importantes para os autônomos, os que trabalham por projeto, os free lancers, etc.

Como é o relacionamento no ambiente de trabalho? De um modo geral, os brasileiros se sentem bem com o que têm. Cerca de 81% das pessoas gostam de ir ao trabalho todos os dias; 76% são encorajadas a aprender e valorizam isso; 66% dizem que as informações para fazer certo são bastante acessíveis.

Mas nem tudo são rosas. Cerca de 53% se dizem exaustos. 50% se sentem demasiadamente vigiados no trabalho; 46% reclamam de baixa colaboração entre os colegas; 45% se irritam com freqüência; 38% têm dificuldade para dormir, e 35% se queixam de falta de apetite.

Será que essas reclamações têm a ver com as chefias? Embora 60% digam ter liberdade para expressar opiniões, só 37% se sentem à vontade para discordar do chefe, que parece pender mais para o autoritarismo do que para a democracia.

E na hora das críticas? Cerca de 47% dos brasileiros dizem recebê-las com tranqüilidade. os demais se queixam. Para 45% dos entrevistados, as críticas são justas; para os demais, são injustas. Os mais jovens, recebem as críticas com mais facilidade; os mais velhos, com mais dificuldade.

E como vai a auto-estima dos trabalhadores? Quando perguntados que nota dariam, de zero a 10, para o seu desempenho no trabalho, a média foi de 8,7.

A grande maioria se diz orgulhosa do que faz. Quando feita a mesma pergunta em relação ao desempenho do chefe, a média foi de 7,9. Uma aprovação muito boa, quase igual à atribuída a si mesmos. Os que têm apenas o primeiro grau são mais complacentes: 47% dão nota 10 ao seu chefe; entre os que têm curso superior, essa generosidade não passa de 18%.

Qual é o peso da remuneração e da realização profissional na satisfação no trabalho? A remuneração pesa mais para os menos educados; a realização para os mais educados. Para a grande maioria, porém, a principal satisfação decorre do fato de terem trabalho.

Um dos valores mais altos, nos dias atuais, é bom emprego. Perder o emprego dá medo a muita gente. Para 58% das pessoas, o desemprego é uma das principais fontes de infelicidade. Esse medo é muito maior entre os que têm apenas o primeiro grau (62%) e mais atenuado entre os que têm curso superior (44%).

Em suma, quando o brasileiro tem o que fazer, faz com gosto; procura aprender o máximo; esforça-se para fazer bem feito; acerta-se com os chefes; e tolera os que pouco colaboram.

No Brasil, o trabalho não é um fardo. Tanto que, quando perguntados sobre o que pretendem fazer depois de parar de trabalhar, cerca de 60% dos brasileiros disseram querer continuar trabalhando (!)-, com um pouco mais de lazer, pois ninguém é de ferro...

Com esse quadro em mente, sou levado a desejar a você, neste Natal, o presente que os brasileiros mais valorizaram em 2002: um bom emprego! Que os meus leitores encontrem no trabalho a fonte de satisfação e de remuneração para viver uma vida digna junto a sua família. São os votos de quem passou a vida inteira estudando o trabalho.