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Publicado em O Estado de S. Paulo, 07/11/00

O valor dos recursos espirituais

José Pastore

Milhares de autores já ousaram explicar porque os países desenvolvidos se desenvolveram. Poucos me impressionaram tanto como Robert W. Fogel (The Fourth Awakening, Chicago: University of Chicago Press, 2000).

Cada passagem desse livro é fruto de profundas pesquisas e amadurecida reflexão. Em tudo, o Autor valoriza o conhecimento. Os povos que perceberam cedo a importância da educação, saíram na frente, mantiveram-se na dianteira, e a maioria são líderes nos dias atuais.

No passado, o desenvolvimento dependeu muito dos ativos físicos - prédios, fábricas, máquinas e equipamentos. Atualmente, depende dos ativos humanos e sociais - conhecimento, relacionamento e instituições.

A formação desses ativos é demorada. Por isso, é imprescindível investir pesado nos primeiros anos de vida de cada geração. A história mostra que saíram na frente, os países que investiram primeiro nesses ativos e ficaram na frente, os que cuidaram bem do ser humano.

Em 1850, o norte dos Estados Unidos, já contava com 90% de sua população alfabetizada - exatamente o ano em que o Brasil tinha quase 90% de analfabetos. Dali para frente, os americanos universalizaram o ensino básico e estenderam a escola secundária e universitária para a maioria da população. O Brasil, só em 2000, conseguiu matricular 96% das crianças no primeiro grau. Nos Estados Unidos, isso ocorreu em 1890.

Nos últimos 50 anos, a sociedade humana se modificou tanto que a qualidade da educação passou a ser um ingrediente fundamental para se dominar os avanços tecnológicos e construir novas instituições: Já não bastava ser educado. Era preciso ser bem educado.

No início do século, havia 232 mil americanos matriculados nas universidades. Em 1930, eram mais de um milhão; em 1960, 14 milhões; e atualmente, mais de 40 milhões - quase o número de estudantes das escolas públicas de primeiro grau do Brasil.

Entre 1940, a maior parte dos trabalhadores de produção das indústrias americanas ("blue-collars"), haviam completado a escola secundária. No Brasil de hoje, apenas 1/3 da força de trabalho industrial completou o segundo grau.

Nos Estados Unidos, a expansão das ciências do homem foi tão importante quanto o desenvolvimento das ciências da natureza. Ao se inserirem nos órgãos do governo nas áreas do trabalho, saúde, educação, justiça e até na imprensa, os cientistas sociais (bem formados) foram inoculando naquelas instituições elementos de racionalidade na formulação e execução das políticas públicas, pautando, assim, o debate político com temas, dados e interpretações seguras - bem diferente do debate político que domina a cena brasileira onde os insultos pessoais tomam lugar da lógica de raciocínio.

Indo mais longe, o Autor vê a disciplina de estudo, o zelo pelo trabalho, o respeito ao próximo, a auto-estima e a curiosidade por saber como elementos-chave da boa educação e essenciais para desenvolver. É disso que surge o tipo de ética, dentro da qual, trabalhar é visto como parte da responsabilidade individual e não como um fardo desagradável do qual as pessoas deveriam se livrar.

Isso faz muita diferença. Há uma grande distância entre o desempenho das pessoas bem preparadas que trabalham com gosto e das que, além de precariamente educadas, trabalham por obrigação.

Quando se mistura educação de qualidade e vontade de apreender com a disciplina de estudo e gosto pelo trabalho, surge um poderoso caudal de forças sociais, cuja sinergia é capaz de milagres - talvez o menor deles, o desenvolvimento de uma nação.

Olhando para trás, constatamos que o Brasil andou muito devagar em matéria de educação. Acabamos de vencer a batalha da quantidade no que tange ao primeiro grau. Mas isso é muito pouco. Nesse período, o mundo passou a exigir no atacado o que ainda formamos a conta gotas. Estamos diante da inadiável luta por uma substancial elevação da qualidade da educação.

Para tirar o atraso, teremos de considerar as formas alternativas como, por exemplo, a educação à distância. Em 1999, cerca de 40% das empresas americanas tinham, pelo menos, um curso on-line. Para o ano 2000, isso deverá dobrar. Nos Estados Unidos todas as salas de aulas estão conectadas à Internet de modo a tornar as aulas virtuais uma alternativa concreta (CNI, Educação e Redes Digitais, Brasília, 2000).

Mas em todos esses avanços, é fundamental a presença do professor para que o aluno, além de se informar, possa também se formar. É com ele que está a responsabilidade de manter acesa a chama dos recursos espirituais: a curiosidade, a dignidade, a autoestima e a ética do trabalho.

Não há razão para se copiarmos o que os outros países fizeram e continuam fazendo. Mas há menos razão para ignorar o que tem dado certo no campo da educação. O livro de Fogel não é crítica a ninguém. É um convite para se meditar e fazer as coisas certas.