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Publicado no Jornal da Tarde, 22/09/1999

O vírus da curiosidade

Como acontece todos os anos, ao se aproximar a época dos vestibulares, o meu e-mail fica repleto com as mesmas perguntas: O que devo aconselhar para o meu filho? Qual é a melhor profissão nos dias atuais? Quem tem mais chance de trabalhar?

Para todos, eu ofereço uma só resposta: apoie o estudante para seguir a profissão que ele diz gostar. Mas, uma vez aprovado no vestibular, convença-o de que, no mundo atual, vencerá quem for o melhor profissional.

O tempo do apadrinhamento está acabando. Os empregadores deixaram de contratar afilhados com base nos pedidos comovidos de seus padrinhos. Isso é coisa do passado, quando as empresas podiam passar suas ineficiências para os preços que, por sua vez, eram pagos por consumidores sem alternativa em uma economia fechada.

Isso acabou. O velho "pistolão" morreu. Até no governo, ele começa a definhar. Há ainda alguns focos de nepotismo, é verdade, mas a imprensa e a sociedade estão no seu encalço, não dando folga a juizes e parlamentares que ainda tentam nomear na base do parentesco ou amizade.

Hoje, o jogo virou. O mercado está se tornando cada vez mais competitivo. Preços sobrecarregados pela incapacidade ou preguiça de quem trabalha "de favor", levam as empresas à falência. Ninguém quer correr esse risco.

A primeira sugestão que posso dar aos jovens é essa. Seja qual for a profissão escolhida, prepare-se para ser bom nela. O sucesso vai brilhar para quem ficar acima da média.

Vivemos num tempo em que não basta ter um diploma. Aprender a conhecer é importante, sem dúvida. Mas, aprender a fazer é muito mais importante. Toda vez que alguém passar na porta de uma firma, que não emprega ninguém há vários anos, e disser ser capaz de resolver o problema da empresa, essa pessoa será imediatamente admitida.

Não estou dizendo que educação cria empregos. Mas, para as oportunidades existentes, sai melhor quem é capaz. Tem mais chance no mercado de trabalho, os que usam bem os conhecimentos que aprenderam.

E como conseguir essa competência? Basta ler o que o professor recomenda? Não. É preciso estudar, pelo menos, o dobro. É preciso se informar constantemente. É preciso ter dentro de si o vírus da curiosidade.

Muitos me dizem: ora, isso não é novidade. O mercado sempre esteve atrás de gente boa. É verdade. Mas a corrida tornou-se frenética com o aumento da competição.

As pesquisas são muito claras. As empresas não esperam contratar quem saiba tudo, mas buscam recrutar quem tem obsessão por apreender continuamente. E isso depende de cultivar o hábito de ler e se informar o tempo todo.

Mas é inútil querer conhecer tudo. Evite submergir no meio de muita informação. Use a Internet com inteligência. Seja seletivo. Não queira ser apenas um bom especialista. O mundo atual exige especialidade e cultura. Sim, porque, nele, você terá de trabalhar em equipes, e a conviver com pessoas de formação variada.

Essa é minha segunda sugestão. Estude com afinco a sua profissão, e se informe à respeito das profissões da mesma família. Se você escolheu economia, leia sobre direito, administração e até de engenharia. Se você vai ser engenheiro, vá lendo economia, direito e até sociologia, lembrando ainda que, uma boa base de história não faz mal a ninguém.

Essa é a minha terceira sugestão. Não se atenha aos assuntos da faculdade. Vá além disso. Entenda que o tempo dos seres humanos já não mais se divide entre trabalho e lazer. Cada vez mais, ele é composto de três partes: trabalho, lazer e aprendizagem. Apreenda a dosar o tempo. Coloque na sua agenda, as horas de estudo, as de lazer e as de trabalho. Busque o equilíbrio.

Permitam-me contar-lhes um fato verídico. Dei uma palestra, recentemente, para cerca de 900 estudantes universitários de todo o Brasil, que queriam saber a quantas anda o mercado de trabalho para as profissões que escolheram - médicos, advogados, engenheiros, psicólogos, etc. Foi uma excelente reunião. Eles estavam ávidos por informações.

No final do evento, indaguei quantos haviam sido atingidos pela triste greve das universidades federais que, no primeiro semestre de 1998, durou 90 dias.

Mais de 90% levantaram a mão. Indaguei, em seguida, quantos, durante os dias de greve, estudaram em casa, 4 horas por dia. Nenhum moveu o braço!

Foi um quadro chocante. Eles perderam 360 preciosas horas de estudo, que poderiam ter sido usadas para atualizar as leituras, avançar o futuro, explorar outros campos do saber, e ajudar a prepará-los na longa caminhada para ser os melhores nas profissões escolhidas.

Apesar de ter uma escolaridade bem acima da média dos demais brasileiros de sua idade, aqueles jovens não foram preparados para estudar de forma autônoma. Não foram inoculados com o vírus da curiosidade.

Disciplina. Curiosidade. Amor ao conhecimento. Zelo pelo saber. Garra. Esses são os ingredientes mais importantes para as pessoas se prepararem para o mercado de trabalho, em qualquer profissão. Isso conta mais do que a carreira escolhida, ou o diploma obtido.

As empresas do futuro estarão cada vez mais em busca das pessoas curiosas e interessadas em aprender o tempo todo. Sim, porque um quadro de pessoal que seja adaptável às mudanças, é a melhor vantagem comparativa para enfrentar um mundo de concorrência galopante.

Os critérios de seleção já mudaram bastante, e vão mudar mais. Já foi o tempo em que você tinha grandes chances no mercado de trabalho, quando anunciava ser engenheiro, administrador ou economista, formado por um boa faculdade. Isso conta, mas não é tudo.

As empresas pararam de comprar profissões e faculdades. Elas estão atrás de respostas, e, sobretudo, de pessoas que enfrentam a realidade com uma clara, comprovada e indomável disposição de se apropriar do incompreensível.

Vai aí minha quarta sugestão. Antes mesmo de se formar, fique de olho nas empresas que dão oportunidades para você "apreender a conhecer", "apreender a fazer", e "apreender a ser" (Jacques Dellors, Educação: Um Tesouro a Descobrir, São Paulo: Cortez Editora/UNESCO/MEC, 1997).

Esta última dimensão é muito importante nos dias atuais. Apreender a ser, é a aprendizagem que constrói a sua marca. A combinação de um espírito combativo, com uma personalidade harmoniosa e um bom comando de si mesmo, é um capital extraordinário num mundo que requer cada vez mais cordialidade, atenção aos clientes, apoio aos consumidores e civilidade na convivência com os colegas de trabalho.

Virou moda publicar estudos e editar revistas que indicam as melhores profissões no mercado de trabalho. Essas publicações são úteis, sem dúvida. Mas, além disso, sinto que os jovens brasileiros estão precisando formar hábitos de leitura que são essenciais para o sucesso em qualquer profissão.

As boas escolas estão conseguindo informar bem, sendo que muitas delas beiram a fronteira da indigestão. Poucas, porém, sabem bem como inocular nos seus alunos o vírus da curiosidade.

Como a maioria das famílias também tem suas dificuldades para injetar nos seus filhos o zelo e amor pelo saber, e instalar neles uma espécie de dínamo do conhecimento, resta aos próprios jovens o desenvolvimento de exercícios de meditação e prática para construírem dentro de si, os indispensáveis ingredientes para vencer a competição dos mercados de trabalho dos dias atuais e do futuro.

Essa é a minha quinta e última sugestão: jovens estudantes de todo o Brasil, educai-vos! Lembrem que o mais importante na sua aprendizagem depende do que vocês vão fazer. Demandem seriedade dos professores. Cobrem as escolas. E, sobretudo, estudem por conta própria.