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Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/04/00

Guerra por talentos

As belas projeções de crescimento para a economia brasileira para o ano 2000 trazem um clima de animação para o emprego.

De fato, várias empresas já venderam toda a produção deste ano. Inúmeras estão partindo para a expansão e se preparam para contratar mão-de-obra adicional.

Entretanto, nas minhas andanças pelo interior de São Paulo, tenho encontrado inúmeras empresas que têm na falta de mão-de-obra qualificada, o principal obstáculo para crescer.

O fenômeno decorre de dois fatores. De um lado, a baixa qualificação no Brasil é um problema crônico e reflete a falta de escolas de boa qualidade para acompanhar os avanços tecnológicos. Em média, os brasileiros que integram a força de trabalho têm apenas 4 anos de escola – e má escola - enquanto que os nossos concorrentes coreanos têm 10 anos de escola; os japoneses, 11; e os americanos e maioria dos europeus, 12 anos de boa escola.

De outro, a recessão durou tanto tempo que muitos profissionais qualificados partiram para outros ramos. Não é fácil convencê-los a largar o que fazem.

O problema é grave. Uma pesquisa realizada pelo SENAI em São Paulo constatou que não haverá pessoal qualificado para as empresas poderem absorver as tecnologias de telecomunicação que serão implantadas entre 2000-03. Este é um mero exemplo entre centenas de casos semelhantes.

As firmas de maior porte optam por formar seus profissionais. Outras, penetram nas universidades, tentando recrutar alunos que ainda têm um ou dois anos para se formar. Finalmente, há as que preferem a pirataria: umas "pilham" das outras.

A guerra por talentos está acirrada. É um fenômeno mundial. Nos Estados Unidos, a maior preocupação das empresas que empregam tecnologias modernas é evitar a pirataria dos concorrentes sobre seus melhores profissionais.

As grandes empresas do Brasil já começam a sentir o problema. A Petrobrás, por exemplo, é uma das mais assediadas. Engenheiros com dez anos de experiência, que ganham de R$ 3 a R$ 5 mil por mês, estão sendo atraídos por empresas estrangeiras que lhes oferecem R$ 10 mil por mês - cerca de US$ 5,6 mil - ou US$ 73 mil por ano.

Em 1999, 85% dos estudantes das melhores escolas de administração, economia, engenharia e direito dos Estados Unidos estavam empregados antes de formar com salários altíssimos - muitas vezes, US$ 100 mil por ano - havendo casos, como o da Boeing, por exemplo, que está pagando US$ 236 mil por ano para os pesquisadores em alta tecnologia ("The Slow Death of Boeing Man" e "America's Talent Battle", The Economist, 25/03/00) - além de uma série de benefícios colaterais considerados indispensáveis pelos bons profisionais: ginásio de esportes, clínicas de tênis, "spas", dentistas e outras facilidades. Para muitos, além de tudo isso, eles precisam ser convencidos pela empresa contratante que, nela, terão uma carreira atraente.

É claro que as pequenas e médias empresas, assim como as mais tradicionais, sofrem enormemente com essa guerra por talentos. Muitas não conseguem competir. Outras transformam-se em fornecedoras de mão-de-obra que, com muito esforço, conseguiram qualificar.

O que vale para as empresas vale também para os países emergentes. A Alemanha atenuou o requisitos de entrada para atrair 20 mil profissionais indianos em 1999. Os Estados Unidos estão praticando a mesma estratégia em 2000.

Como as novas tecnologias se difundem para todos os cantos do mundo, e como a economia está exigindo competências cada vez mais padronizadas, são raros os setores que, hoje em dia, podem operar com mão-de-obra não qualificada.

Até mesmo a agricultura e a construção civil que, no passado, foram considerados como reservatórios de verdadeiros exércitos de mão-de-obra não qualificada, estão entrando em um outro mundo. Para quem visita uma feira de produtos agropecuários e pergunta a um expositor o que o lavrador deve saber para usar, por exemplo, um novo herbicida, verá que ele precisa saber ler e compreender o que está escrito na bula; fazer cálculos para diluir adequadamente o produto; escolher os bicos apropriados para fazer a aspersão; calcular a quantidade de veneno em função do tamanho da área e do tipo de praga a ser combatida.

Os requisitos educacionais que estão por trás dessa competência colocaram um fim na possibilidade de se utilizar um trabalhador analfabeto ou de baixa escolarização. O mesmo ocorre na construção civil onde novos projetos, produtos e equipamentos são tão diferentes dos do passado que, dificilmente, um trabalhador sem primeiro grau consegue alcançar a produtividade requerida.

Para o Brasil, a revolução nas exigências do trabalho constitui, sem dúvida, o desafio colossal. O País precisa queimar muitas etapas para dispor de uma mão-de-obra que seja capaz de trabalhar nas novas situações e garantir a competitividade das empresas.

Educação não gera emprego, é claro. Mas é essencial para manter as pessoas empregadas e para viabilizar uma reciclagem no momento de mudar de emprego. É por isso que, ao lado de tanta gente desempregada, há tanta vaga desocupada neste imenso e deseducado Brasil.