Publicado em O Estado de S. Paulo, 13/10/1998
SENAI: Contribuição compulsória ou voluntária?
A imprensa tem noticiado opiniões, até mesmo de empresários, contra a compulsoriedade de pagamento de 1% sobre a folha de salários, destinado ao SENAI e aos demais "Ss" que cuidam da formação de capital humano no Brasil.
Os que assim fazem, argumentam que tudo o que é bom, deve ser voluntário. Na medida em que as empresas avaliassem positivamente essas entidades, elas seriam mantidas pela indústria, comércio, transportes e agricultura sem nenhuma exigência legal. A voluntariedade funcionaria, assim, como um crivo de mercado para forçar os "Ss" a se manterem eficientes.
Esse questionamento provoca discussões controver-tidas. O International Journal of Manpower lançou um número duplo (Vol. 18 - nos. 1/2, 1997), focalizando exatamente os diversos modos de se financiar a formação de mão-de-obra.
Os artigos cobrem as mais variadas dimensões do problema. Uma delas diz respeito à racionalidade de conduta dos empresários dentro de uma economia competitiva. Em um mundo em que as tecnologias e os modos de produzir mudam a cada dia, trabalhadores capacitados constituem o capital mais precioso das empresas. Por isso, preparar bem um funcionário para depois perdê-lo para o seu concorrente, representa prejuízos de monta para quem nele investiu.
Por outro lado, recrutar quem foi preparado pelo concorrente constitui um esporte sedutor. Para qualquer em-presário, o melhor dos mundos é deixar os custos da capa-citação para os concorrentes e reter os benefícios para si.
Se todos os empresários assim agissem, ninguém investiria na preparação dos trabalhadores e a sociedade entraria em déficits crônicos de mão-de-obra capacitada. Esse é o drama do financiamento dos chamados bens públicos.
Os trabalhos resenhados na revista indicada revelam que na maioria dos países, os custos de preparação da força de trabalho são "bancados" pelas empresas e governos e, em certos casos, até mesmo pelos trabalhadores. A forma varia. Mas toda nação possui um sistema de financiamento público de formação de capital humano.
O SENAI, criado em 1942, inaugurou um modelo híbrido que logo se propagou por toda a América Latina. Conhecedores da lógica do individualismo, Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi e outros empresários, manifestaram ao governo o seu propósito de fundar e administrar uma entidade de âmbito nacional, desde que o seu financiamento fosse garantido por uma contribuição compulsória de todos os industriais. O governo aceitou a proposta, garantindo a compulsoriedade por lei, e os empresários garantiram a implementação do projeto que, aliás, tem quase 60 anos.
O objetivo básico foi o de implantar um sistema de formação profissional que beneficiasse a coletividade empresarial e os trabalhadores em geral, evitando-se que, pelo medo de perder para a concorrência, a maioria dos empresários deixasse de investir em capacitação profissio-nal.
Essa não é a única forma de se financiar a formação de capital humano. Há países que preferem conceder um incentivo para as empresas que investem em educação, saúde e preparação profissional. Outros exigem investimen-tos proporcionais às necessidades das empresas e, no caso de descumprimento, elas são obrigadas a recolher recursos que vão para um fundo que sustenta uma rêde pública de escolas profissionais.
A qualidade do capital humano do Brasil é extremamente precária para enfrentar a avassaladora revolução tecnológica. Nossa força de trabalho possui apenas 4 anos de escola - e má escola – enquanto a dos nossos principais concorrentes (Japão, Tigres Asiáticos e Estados Unidos) possui dez anos de boa escola, a que se somam cursos sérios de formação profissional mantidos pelas mais variadas formas de financiamento compulsório.
No momento em que se discute a reformulação do sistema tributário brasileiro, é legítimo questionar o posicionamento topográfico das contribuições das entidades que cuidam da formação de capital humano. Alguns defendem a sua manutenção na folha de pagamento. Outros desejam remetê-las para o faturamento ou até mesmo o lucro das empresas.
Todos esses são modos alternativos de se manter um financiamento compulsório da formação de capital humano no Brasil. Mas eles não deixam a menor margem empírica ou teórica para se defender a voluntariedade de contribuição nesse delicado terreno.
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