Sexta feira 06 de dezembro de 2019
O que está por trás do populismo?
José Pastore
Conversar com Delfim Netto é sempre um privilégio. Do alto da sabedoria de quem
estuda o dia todo e da experiência de quem praticou o que aprendeu, ele nos brindou
com uma primorosa palestra em 27 de novembro passado, na Faculdade de Economia e
Administração da Universidade de São Paulo.
Intrigado com os movimentos sociais que grassam em muitos países, Delfim associou o
descontentamento dominante à forte redução da ascensão social que vem se
generalizando. Alertou para a necessidade de novas abordagens nos estudos
econômicos. Insistiu que o índice de Gini indica apenas a distância média entre as
rendas das pessoas, e não seu bem-estar. Afinal, é isso que interessa, pois elas reclamam
quando se sentem em pior situação do que a de seus pais e sem perspectivas de ascender
na escala social.
Concordo com ele. Deve estar aí a raiz dos protestos da classe média que pipocam em
tantos países. Lembrei-me dos primeiros estudos que fiz sobre o assunto, comparando
os brasileiros que viviam na década de 1970 com seus pais e avós. Os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) daquele tempo registravam enorme
ascensão social e início de formação de uma classe média razoável. De onde vinha isso?
Uma parte da ascensão social decorria da migração rural urbana. Pelo simples fato de
um trabalhador chegar à cidade, seus filhos entravam na escola, sua renda se tornava
mais estável e ele ficava em situação melhor do que a de seus pais.
Outras pessoas subiam ao entrar em empregos de status mais alto nas empresas do novo
surto industrial (1950-60) nas multinacionais, nas estatais e no sistema financeiro que se
expandia a passos largos. Todas subiam pelo simples fato de aproveitarem as
oportunidades de trabalho que se abriam. E ali aprendiam e se tornavam profissionais.
Muito diferente é o quadro atual. Entre os filhos de classe média, poucos chegaram à
posição de seus pais. A grande maioria está em situação pior e sem perspectiva de
ultrapassá-los. Numa palavra, no Brasil de hoje, a ascensão social se tornou privilégio
de poucos.
Isso gera muita frustração que, a depender da situação, se manifesta em revoltas e
movimentos sociais. O estopim costuma ser um motivo material — o aumento do preço
da passagem de ônibus, o encarecimento do combustível ou dos alimentos. Mas, por
trás, está o desânimo de quem vê sua situação social estagnada e longe do que gostaria
de ter. A decepção é potencializada pelas redes sociais, que fazem todos se sentirem mal
ao mesmo tempo.
Entre os múltiplos fatores determinantes da redução da ascensão social tem destaque, no
meu entender, o impacto das novas tecnologias no mercado de trabalho. Graças a elas, a
maioria das profissões vem se transformando a uma velocidade que vai além da
capacidade de ajustamento das pessoas e das escolas. Ao mesmo tempo que surgem
novas oportunidades rentáveis para poucos, multiplicam-se os casos profissionais de