Sábado 2 de fevereiro de 2019
A reforma do funcionalismo
José Pastore
Não é à toa que o Estado brasileiro caminha para uma falência generalizada. As
liberalidades salariais contam com grande amparo legal. Cito três decisões do final de
2018: (1) Rodrigo Maia, em exercício da Presidência da República, sancionou a Lei
Complementar 164/2018, que autorizou os prefeitos a gastarem mais de 60% das
receitas com salários de servidores, descumprindo, assim, a Lei de Responsabilidade
Fiscal; (2) os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se autoconcederam um
enorme aumento de 16,38% com um perverso efeito cascata; (3) em ato monocrático, o
ministro Ricardo Lewandowski obrigou o governo a aumentar os proventos de todo o
funcionalismo federal em 2019. Ao lado disso, há a recorrente conduta dos Tribunais de
Contas dos Estados e Municípios, que driblam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
para garantir adicionais de salários. Os impactos econômicos dessas decisões são
catastróficos.
Em uma excelente análise, Ana Carla Abrão
destacou o seguinte: entre 2003 e 2018, os
gastos com servidores ativos na esfera
federal subiram de R$ 171 bilhões para R$
304 bilhões um aumento de 56% ,
enquanto o número de servidores passou de
961 mil para 1.228 milhão (28%). Essa
tendência é geral nos três níveis de governo.
As despesas com pessoal têm superado as
suas receitas. Quando se considera o gasto
com o pessoal ativo e inativo, nenhum estado
brasileiro tem cumprido a LRF Para evitar as
penalidades dessa lei, faltava-lhes o respaldo
legal, que veio com a Lei Complementar
164/2018.
Até então, governadores e prefeitos usavam subterfúgios para contornar a LRF, criando
uma variedade de auxílios cujas despesas ultrapassávamos limites da LRF. Para tanto,
sempre contaram com o aval dos Tribunais de Contas, que aprovam essas válvulas de
escape. No âmbito do funcionalismo público, os governantes sempre deixaram de lado a
importante dimensão da produtividade, ao contrário das empresas privadas, que buscam
elevar, constantemente, a eficiência do trabalho. O artigo 41 da Constituição Federal
garante a estabilidade de servidores estatutários, mas tem uma previsão de perda do
cargo no caso do baixo desempenho do funcionário público Io, Inciso III). Ocorre
que, nas raras avaliações realizadas, os gestores tendem a atribuir nota 10 a todos os
seus colaboradores.
Além disso, as progressões e as promoções garantidas por lei muitas vezes, a título
de produtividade se incorporam às aposentadorias. É único país do mundo em que os
aposentados do setor público ganham adicional de produtividade. Por cima de todos
esses entraves, ainda a força das corporações profissionais e dos sindicatos laborais,
que são contra toda e qualquer forma objetiva de avaliação de desempenho. Existem, no
âmbito federal, cerca de 300 carreiras representadas por quase 200 sindicatos.
Numa palavra, o modelo vigente permitiu o aparelhamento da máquina pública, que
vem impedindo a avaliação da qualidade do gasto com pessoal, que de resto, está
bastante envelhecida. Muitos servidores estão prestes a se aposentar, com pouca chance
de se atualizarem no terreno das novas tecnologias e dos modernos sistemas de
administração. Em suma, no setor blico brasileiro, o trabalho custa caro e produz
pouco, ressalvados casos isolados, é claro. É urgente promover uma profunda reforma
na administração dos recursos humanos do setor público do Brasil. É preciso incluir, no
processo de avaliação dos servidores, os cidadãos brasileiros que utilizam os serviços
públicos, como se faz em vários países avançados. É inevitável rever as regras
contempladas pela Constituição Federal e por leis ordinárias o que é tão difícil
quanto necessário.
José Pastore é Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP