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O ESTADO DE S. PAULO
31 de janeiro de 2019
Sistema S e capital humano
Convém analisar com cuidado o impacto de cortes lineares de
recursos de quem contribui para a melhoria neste campo
José Pastore
O ministro da Economia e sua equipe parecem empenhados em cortar os recursos das
entidades do Sistema S. É claro que tudo o que puder ser feito para melhorar a
eficiência dessas entidades deve ser perseguido. Mas convém avaliar o impacto de
cortes lineares no campo do capital humano.
De maneira acertada, o Banco Mundial criou um índice para medir o capital humano
dos países que inclui mortalidade infantil, mortalidade na idade adulta, cuidados gerais
com a saúde, quantidade e qualidade da educação. Esse índice varia entre 0 e 1, sendo 1
o padrão mais alto de capital humano. Entre as 157 nações analisadas, o país que possui
mais capital humano é Cingapura, seguido por Coreia do Sul, Japão, Hong Kong,
Finlândia e Irlanda. O Brasil ocupa a 81.ª posição, estando abaixo de Peru, Colômbia,
Uruguai, Equador, México, Argentina, Costa Rica e Chile, para citar apenas os da
América Latina (World Development Report, Washington: World Bank, 2019, p. 62).
No campo da educação, o Banco Mundial acentua que não basta ter mais escolas e mais
matrículas, porque uma coisa é ensinar, outra é aprender. Esta depende da boa qualidade
da educação.
As entidades do Sistema S se dedicam à proteção materno-infantil, à saúde do adulto, à
prevenção de acidentes do trabalho, à criança na pré-escola, ao ensino fundamental e
médio, à qualificação profissional em vários níveis e à difusão de valores da ética do
trabalho por meio de exemplos e atividades culturais e esportivas, ou seja, atuam na
melhoria do capital humano do Brasil.
A dimensão dos valores sempre chamou a minha atenção. Ao longo de uma extensa
carreira de professor e pesquisador, visitei dezenas de escolas do Senai e do Senac.
Nunca vi um aluno terminar o dia sem antes arrumar a bancada e deixar tudo em ordem.
Nunca vi um aluno ofendendo professores, uma parede pichada, um banheiro sem
manutenção, um gramado abandonado, a promoção sem mérito ou o desprezo pelo
trabalho.
Como se explica isso, se as escolas do Senai e do Senac estão na mesma comunidade e
atendem a mesma população? Penso que a transmissão desses valores tem origem na
cultura das empresas que dirigem essas escolas. Não conheço nenhuma empresa bem-
sucedida que seja suja, desorganizada, relapsa, tocada por profissionais desleixados e
que desprezam o sistema de mérito. Para vencer a concorrência, as empresas precisam
ser eficientes e contar com profissionais competentes. Para tanto, elas buscam recrutar
colaboradores capazes de resolver problemas, que tenham lógica de raciocínio, que
gostam de estudar, que sejam versáteis para se ajustar às mudanças tecnológicas e que
possuam habilidades socioemocionais para trabalhar em grupo, com zelo, amor,
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disciplina e comprometimento elementos básicos da ética do trabalho. As empresas
sabem que tudo isso conta muito para a produtividade.
Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia em 2008, costuma dizer que, para o
crescimento econômico, a produtividade não é tudo, mas é quase tudo. Não é exagero
afirmar que para a produtividade a educação de boa qualidade não é tudo, mas é quase
tudo.
Quais são os resultados dos investimentos no Sistema S? As suas entidades têm sido
valorizadas pelas famílias que disputam suas vagas, pelas empresas que reconhecem a
qualidade dos egressos e pelos educandos que usufruem mais emprego e menos
rotatividade.
Por isso, convém examinar com cuidado o reflexo de eventuais cortes lineares de
recursos de instituições que vêm contribuindo para a melhoria do nosso capital humano.
Professor da Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho de Emprego e Relações do
Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras