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FOLHA DE S. PAULO
UOL.com.br
1º de maio de 2018
Novas tecnologias podem provocar saída de
multinacionais do Brasil, diz Pastore
Para José Pastore, redução de custos com indústria 4.0 tira atrativo da mão de obra
barata no país
Érica Fraga
SÃO PAULO
A quarta revolução industrial vai tirar o atrativo do custo baixo da mão de obra
brasileira para as empresas, pois as novas tecnologias têm permitido que elas consigam
“fazer mais do que antes, com menos pessoas, menos salários, menos dor de cabeça”.
A afirmação é de José Pastore, 82, um dos maiores especialistas brasileiros em relação
do mundo do trabalho.
Segundo ele, o risco de que muitas multinacionais deixem de ver vantagem em
operar no Brasil, que, além de permanecer longe da fronteira tecnológica, sofre com
precariedade educacional crônica e com excesso de burocracia.
“Muitas multinacionais começam a apresentar sinais de volta a seus países de origem. E
isso é um problema que preocupa bastante”, diz Pastore, que é presidente do Conselho
de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP, que promoveu recentemente o
seminário “Como será o trabalho do futuro à luz de novas tecnologias?”
um esforço para mensurar quantas vagas serão criadas e eliminadas na esteira
da quarta revolução industrial. Há um exagero nisso?
Acho que essa ansiedade é mundial, não uma família do mundo que não pergunte:
“O que vai acontecer com emprego do meu filho, do meu neto, com a entrada de tantos
robôs no setor produtivo?”. Na literatura, você vai encontrar resposta para tudo. Tem
gosto para tudo. Você vai ter autores de respeito dizendo que [a tecnologia] mais destrói
do que cria, e vai ter outros
dizendo que mais cria do que destrói. E tem aqueles por quem tenho muita admiração
que dizem: “A questão não é o que destrói e o que cria, o problema é o que é
transformado”. A grande maioria dos empregos e do trabalho certamente passará por
muita transformação em razão das mudanças tecnológicas. E isso aqui também tira o
sono da gente, porque a pergunta é: “Será que o país, a escola, a empresa estão
preparadas para fazer o ajuste?”.
Por que o senhor disse admirar os especialistas mais moderados nesse debate?
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Porque, olhando para os países, você vai encontrar casos como EUA, Japão e
Alemanha, que usam novas tecnologias em grande profusão e têm um nível de geração
de emprego admirável, desemprego baixíssimo. A literatura mostra que na Alemanha,
por exemplo, a velocidade de entrada de robôs é igual ao surgimento de novos
empregos. Os EUA estão com 4% de desemprego.
O Japão também. Então, essa questão de que destrói não é verdadeira, acho que
empregos que são destruídos e outros que são criados, mas tem a grande maioria que se
transforma. Então, eu tendo a ter simpatia por isso porque acho mais realista.
diversas projeções divergentes sobre o impacto da tecnologia sobre o emprego.
Isso tira credibilidade do debate e gera mais confusão do que orientação?
Acho que as divergências que surgem agravam a ansiedade que existe. muitas
estimativas diferentes, mas também estudos como o da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, feito por pesquisadores da Áustria, que
dizem que a profissão não some. Então, quem é médico hoje vai continuar médico daqui
a 10 anos, 8 anos, mas o que ele vai fazer vai ser transformado.
Outros falam que não é questão de olhar para o saldo, vamos olhar o impacto que tem
na renda, que desiguala ou cria polarização porque destrói muitas atividades do meio e
preserva as pontas, as altamente especializadas e aquelas que não podem ser robotizadas
embaixo, que é o zelador, o garçom, a enfermeira, quem faz manutenção de
equipamentos. A questão da polarização é mais importante que olhar para o saldo,
porque demanda políticas específicas para lidar com suas consequências, como a
desigualdade de renda.
O senhor mencionou que as chamadas profissões do meio estão desaparecendo. O
que mais já se vê de transformação concreta?
Você vai ter mudança de funções de atividades a começar pela sua profissão de
jornalista. A sua profissão está cheia de novidades. Tem coisas de ponta hoje. É possível
escrever uma reportagem sem a participação do jornalista humano e isso tem sido feito
de forma intensiva.
advogados de ponta que fazem a petição deles em cima de um número monumental
de informações [levantadas por tecnologia] para fazer o melhor argumento possível. Na
medicina, os médicos que confiam mais no diagnóstico feito por robôs e big data do
que no seu próprio. São transformações visíveis.
Isso também já é visto aqui no Brasil?
No campo industrial, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) tem algumas
pesquisas mostrando que menos de 40% das indústrias brasileiras estão na quarta
revolução industrial. Ou seja, a grande maioria ainda não chegou lá. E as que estão,
entram lentamente. Algumas com mais velocidade, outras mais devagar. No setor de
serviços, a coisa é diferente. No financeiro, que é um dos principais do segmento, a
velocidade é espantosa, de automação e inteligência artificial.
Hoje nos EUA o e-commerce é responsável pelo dobro das vendas do que há seis, cinco
anos atrás e tem lojas fechando até na Quinta avenida porque ninguém tem interesse em
comprar em uma loja e às vezes não tem condições de pagar aluguel caro. Aqui no
Brasil também está acontecendo isso, a penetração do ecommerce é muito rápida e
certos produtos, como material de escritório, livros, música, são mais comprados no
ecommerce do que em lojas físicas.
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O risco de que a atual revolução tecnológica aumente a desigualdade de renda é
concreto? Essa ameaça existe no Brasil?
Esse risco é concreto porque aumentou a diferença da remuneração do capital em
relação à remuneração do trabalho. A remuneração do capital agora está maior do que a
do trabalho porque as tecnologias dão saltos de produtividade fantásticos e acabam
dispensando certas habilidades humanas. Então, a remuneração do ser humano tende a
ser postergada ou reduzida em relação à remuneração do capital e isso gera
desigualdade. Gera desigualdade entre profissionais de vários tipos que são afetados
pela entrada de tecnologia.
Isso é uma coisa séria para o Brasil porque muitas multinacionais vêm para cá, assim
como para outros países em desenvolvimento, porque o trabalho ainda é barato. Agora,
com as novas tecnologias, o trabalho brasileiro, apesar de barato, se torna muito caro,
porque você consegue fazer muito mais do que antes, com menos pessoas, menos
salários, menos dor de cabeça.
Então muitas multinacionais começam a apresentar sinais de volta a seus países de
origem porque lá elas conseguem fazer mais quase sem trabalho, com muita automação,
além de estarem perto da logística e dos consumidores. E isso é um problema que
preocupa bastante.
Se o Brasil tiver condições tecnológicas de ficar na fronteira e pessoal qualificado, esse
aqui é um mercado consumidor bom também. muita chance de ter empresas
prósperas aqui, mas sabemos que vários entraves nessa equação. A coisa é
preocupante porque, ao mudar a diferença de remuneração entre capital e trabalho, isso
pode gerar muito deslocamento de empresa ao longo do globo todo. Não digo que o
risco é de debandada maciça, mas uma debandada de muitas empresas. O que
diminuiria o risco de o Brasil perder esses investimentos?
O que o Brasil poderia estar fazendo?
Para enfrentar essa questão de desigualdade de renda, destruição de emprego,
transformação de trabalho etc., os países avançados, como EUA, Alemanha e Coreia do
Sul, possuem conselhos especializados na formulação de políticas especificas para esse
assunto.
Cingapura foi mais longe e, além do conselho, tem experiência prática na difusão do
ensinamento de novas tecnologias. Cingapura montou um Pronatec de exportação. E
vários países estão se apoiando em cursos rápidos, por meio de internet a distância, para
poder acompanhar a velocidade da mudança tecnológica. Então, o Brasil tem muito a
fazer nesse campo ainda.
No que tange à qualificação da mão de obra, não preciso dizer que nosso sistema
educacional tem uma precariedade crônica. As burocracias também estimulam a
automação, a inteligência artificial. Quando o empresário que é muito complicado,
ele fala “eu vou robotizar”.
Então, burocracia tributária, trabalhista, do ambiente instigam uma aceleração da busca
de proteção do negócio via automação. E a gente está fazendo pouco nesse campo aqui.
No campo tributário, Bill Gates acha que está na hora de pensar em tributar os robôs.
E o que o senhor acha dessa discussão?
A tributação do robô é muito controvertida. No meu entender, tributar robô é inibir a
criatividade humana. Agora, por que é controvertida? Porque um argumento. O Bill
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Gates fala assim: “Olha, se você não quer inibir a criatividade humana, tributa o lucro
recorrente do uso das novas tecnologias e usa esse lucro para o sistema educacional”.
Outra discussão importante é sobre educação continuada, que é algo que certo. O
Japão e a Alemanha são dois casos de sucesso que permitem aos jovens acompanhar a
evolução tecnológica.
Em termos de formação, o que o senhor acha dessa discussão de novas
competências e habilidade?
Para acompanhar essa velocidade meteórica das novas tecnologias, me parece
fundamental ter uma boa educação geral. Saber fazer conta, escrever, ler, interpretar e
conhecer a lógica das ciências. Além disso, você precisa reconhecer as novas
habilidades, as novas exigências que estão mais ligadas ao mundo da produção. Mas o
que facilita a mobilidade de uma área para outra é a qualidade da educação sica,
porque é ela que permite aprender, se ajustar às novas exigências.
As mudanças que estão sendo discutidas na educação no Brasil nos fazem cAs
mudanças que estão sendo discutidas na educação no Brasil nos
fazem caminhar nessa direção?
Eu acho que está longe. Nós precisaríamos ter outros esquemas. Uma coisa é vo
ensinar, outra é aprender. O Brasil está avançando na tarefa de ensinar: tem mais gente
na escola, os métodos estão melhorando, o curcículo, etc. Mas, a aprendizagem é o que
você mede no PISA (avaliação educacional) e o que você mede no PISA está deixando
o Brasil mal na foto até o momento.