O ESTADO DE S. PAULO
30 de novembro de 2017
Trabalho intermitente
José Pastore *
O que fazer quando uma sociedade não consegue manter todos os seus cidadãos
empregados em tempo integral? Outra pergunta: será que todas as pessoas desejam e
podem trabalhar dessa maneira?
Os mercados de trabalho se modificam a cada dia. Nas recessões econômicas, por
exemplo, trabalhadores amargam níveis brutais de desemprego. Outros não se adaptam
às tecnologias que exigem novas habilidades. As forças da recessão e da revolução
tecnológica ultrapassam o desejo de empregar todas as pessoas em tempo integral.
E, do lado dos trabalhadores, os desejos também variam. Muitos jovens querem
trabalhar menos tempo para poder estudar mais. Idosos buscam ajustar a sua capacidade
laborativa a trabalhos mais leves. Mulheres combinam obrigações domésticas com
jornadas mais curtas. O mesmo ocorre com portadores de deficiência e pessoas com
doenças crônicas. Ou seja, nem a sociedade pode empregar todas as pessoas em tempo
integral nem estas estão dispostas a assim trabalhar. É verdade, uma parcela que
trabalha menos tempo de forma involuntária, pois sua opção é por empregos em tempo
integral e prazo indeterminado. Mas não há lugar para todos.
No mundo, cerca de 11% das pessoas (em média) trabalham em jornadas reduzidas e
por prazo determinado. A principal modalidade é o trabalho temporário (usado para
substituir empregados fixos ou atender a necessidades inesperadas). Em segundo lugar
está o trabalho em tempo parcial. Em terceiro, o trabalho intermitente, casual ou por
hora (ILO, Non-standard employment around the world, Genebra, 2016).
A contratação de pessoal nessas modalidades de trabalho cresce na retomada da
atividade econômica (depois de recessões), enquanto as empresas aguardam a firmeza
da demanda para, então, contratar profissionais em tempo integral, a depender ainda das
tecnologias por elas adotadas.
É claro que uma empresa não vai contratar empregados intermitentes ou casuais para
fazer atividades que exigem presença contínua. O trabalho intermitente é para atividades
episódicas e descontínuas. Exemplo: centenas de milhares de garçons no Brasil são
contratados pelos restaurantes para reforçar o quadro fixo nos dias de pico de demanda.
Profissionais contratados dessa maneira ganham de R$ 80 a R$ 150 por cinco horas de
trabalho nos sábados, domingos e feriados bem superior ao salário mínimo diário (R$
31,23), que é pago por oito horas. Mas as contratações têm sido informais, sem
proteções trabalhistas e previdenciárias o que é péssimo para os contratados.
A Lei n.º 13.467/2017 (reforma trabalhista) veio garantir as referidas proteções a vários
profissionais que trabalham de forma intermitente: enfermeiros, psicólogos, cuidadores,
manicures, massagistas, fisioterapeutas, paramédicos, personal trainers; atendentes no
comércio de atacado, varejo e eletrônico; ajudantes em clubes esportivos, hotéis,
pousadas; e vários outros.
Na economia moderna, é inevitável conviver com as mais variadas maneiras de
trabalhar. Ao lado do tempo integral (que abriga a maioria dos empregados), os que
trabalham por projeto, os intermitentes, os temporários, os casuais, os remotos, os
autônomos, etc. Assim é o mercado de trabalho. De nada adianta gritar “parem o mundo
porque eu quero descer!”. o lei ou sindicato capaz de obrigar as empresas a
contratarem todos os seus empregados em tempo integral e por prazo indeterminado. O
importante é assegurar as proteções indicadas, porque mais precário do que a
intermitência são o desemprego, a informalidade e a falta de renda.
* PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, É PRESIDENTE DO CONSELHO DE
EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP E MEMBRO DA ACADEMIA
PAULISTA DE LETRAS