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Publicado em O Estado de S. Paulo, 21/12/99

Abaixo a tecnologia!

Os internautas de Genebra, Londres, New York, Toquio, e todos aqueles que acompanham a espetacular revolução tecnológica que toma conta do planeta neste fim de século e se apronta para avançar ainda mais, tomaram conhecimento que o Brasil acaba de aprovar uma lei que, com o propósito de preservar empregos, diz os seguinte:

"Artigo 1º - Fica proibido o funcionamento de bombas de auto-serviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o território nacional".

Os que estão no exterior podem nos achar retrógrados. Isso não é verdade. Basta ler os textos publicados na Revista do Ministério do Trabalho (LIDA). No número de Junho de 1997, por exemplo, um belo artigo recebeu o título de "Tecnologia vs. Empregos", com o seguinte subtítulo: "As inovações tecnológicas não vão determinar o fim dos empregos e do padrão de vida dos brasileiros".

No corpo do artigo, o autor, Palm Woodall, desenvolveu com dados e lógica a seguinte teoria: "É verdade que milhões de empregos serão destruídos pela tecnologia. Foi assim nos últimos 200 anos. Mas, essas perdas foram sempre compensadas por ganhos de emprego. Quando ferreiros e cocheiros desapareceram, mecânicos e vendedores de autos tomaram seus lugares. A tecnologia mudou os tipos de empregos, mas o volume total cresceu".

Apesar dessa afirmação ter sido comprovada por milhares de outras pesquisas, ainda há os que dizem que a revolução atual é diferente das anteriores porque se baseia na informática e telecomunicações que atingem muito mais empresas do que o tear e os fornos siderúrgicos do século passado. Tudo é espalhado com enorme rapidez, tornando o trabalho dispensável.

Inúmeros outros exemplos são dados para fundamentar a "nova teoria". As tripulações dos navios transatlânticos, no início do século, chegavam a 150 pessoas para transportar 500 passageiros. Hoje, um Boeing transporta os mesmos passageiros com apenas 20 tripulantes. Não estaria aí a prova de que o avanço tecnológico destroi empregos?

Ledo engano. O avião a jato teve uma enorme difusão no mundo e contribuiu de forma fantástica para gerar novas oportunidades de trabalho, tanto no transporte de passageiros quanto no de carga. Na década de 60, a passagem aérea mais barata entre São Paulo e New York custava US$ 3,000.00 (a preço de 1999). Hoje, custa US$ 450.00.

Esse barateamento permitiu a explosão do turismo mundial, o que gerou trabalho para milhares de aeronautas, aeroviários, atendentes de aeroportos, agentes de viagem, taxistas, garçons, maitres, gráficos, interpretes, construtores de hotéis, centros de convenções, etc.

O barateamento do transporte aéreo permitiu aos brasileiros que plantam flores na Holambra, em Jaguariúna (São Paulo) e frutas em Petrolina (Pernambuco) embarcarem seus produtos diariamente por avião para a Europa e Estados Unidos, e participarem ativamente do comércio internacional. Será que haveria mais trabalho em Jaguariúna e Petrolina sem o transporte aéreo?

As tecnologias criam novas demandas e novas oportunidades de trabalho. O mundo está cheio de produtos que geraram trabalho. Vejam o caso do tênis, calça jeans, telefone celular, televisão, McDonalds e tantos outros.

Como bem diz o artigo da Revista do Ministério do Trabalho: "Com a entrada de novas tecnologias, o emprego pode cair a curto prazo e no local em que elas entram. Mas, a eficiência ampliada, aumenta a demanda e os empregos".

O artigo é esclarecedor ao alertar que "o processo de ajuste está longe de ser automático, instantâneo e indolor. Os governos devem fazer o possível para reduzir o sofrimento dos mais atingidos por essas mudanças, com programas de treinamento e reconversão profissionais".

O Poder Público pode dar ainda uma grande contribuição ao aprovar leis que atrelem o avanço tecnológico a tais programas e estimulem a negociação direta entre empregados e empregadores nesse campo. Em vários países, as empresas que inovam, colaboram com o processo de reciclagem dos trabalhadores eliminados pela tecnologia introduzida. É farto o repertório de leis usadas, com sucesso, por diferentes nações com essa finalidade (Leslie Allan Lugo, "Pretecting workers faced with job loss due to new technology", Comparative Labor Law Journal, 1990).

Enfim, há milhares de maneiras de se atenuar os problemas imediatos trazidos pelas tecnologias. Mas proibí-las por lei nacional, sem prazo para acabar, é um absurdo.

Titubeei bastante antes de escrever este artigo. Tive dúvidas sobre a sua eventual contribuição. Afinal, Inês é morta, e a lei está aí para ser cumprida.

Decidi escrevê-lo, porém, na vaga esperança de poder conter o ímpeto dos legisladores que devem estar pensando em usar a lei recém aprovada como "efeito demonstração" para, com isso, proibir as catracas automáticas nos metrôs, a voz artificial nas mensagens telefônicas, os caixas eletrônicos nos bancos e os computadores em geral...