Artigos 

Publicado em O Estado de S. Paulo, 29/01/2002

Os humores dos americanos depois do terror

Há quatro meses, dezenove terroristas, usando pouco dinheiro e incipiente equipamento provaram do que o país mais forte do mundo é extremamente frágil. Mais chocante que a destruição física foi o abalo psicológico do povo americano.

Estive em Nova Iorque no início de 2002. Conversei com muita gente, observando atentamente as reações humanas e os dados de pesquisa ali liberados. Foi um choque. Vivi naquele país durante muitos anos e apreendi a interagir com um povo bem diferente do que vi: a marca da humilhação está estampada no rosto de todos.

Descobri em Nova Iorque um novo tipo de turista - o americano que chega com um único objetivo: ficar de 5 a 7 horas na fila para se aproximar dos escombros do "Ground Zero" e ali fazer uma oração pelos mortos e lamentar a destruição de um sonho de nação. Esse turista não vai à Broadway; não passeia; não entra em "shoppings"; não frequenta restaurantes. No fim de um dia de sofrimento imposto pela força do patriotismo, passa no supermercado, compra um pão de forma, faz um sanduíche e volta para seu estado, triste, cabisbaixo e cheio de medo.

Participei de um congresso científico que é normalmente freqüentado por 3 mil pessoas. Desta vez, éramos menos de mil. As "grandes estrelas" cancelaram sua ida após o dia 11 de setembro. Senti no ar uma neurose coletiva. Ninguém quer sair de casa.

Após o atentado, surgiu um novo modo de encarar a vida: 75% dos americanos passaram a ficar mais tempo com sua família. Aumentou em 30% os que telefonam para parentes durante a semana; em 16% os que contataram um familiar com quem não falavam há mais de 3 anos; e em 12% os que decidiram fazer seu testamento (The American Demographics, Dezembro de 2001).

Para a maioria da população, o velho "American way of life" não tem mais o mesmo gosto. O pequeno avião que foi atirado por um menino contra aquele Banco da Florida selou o sentimento insegurança que domina a nação. Os americanos se sentem indefesos. E, para complicar, começam a se desencantar com uma guerra, que teve um início triunfante, mas que se desenrola em câmara lenta, falhando no objetivo principal: a captura de Bin Laden.

As mudanças nos padrões de consumo são notáveis. Os juros baixaram a quase zero e as liquidações dão mais de 50% de desconto. Mesmo assim, os americanos não se animam a gastar. A economia caiu à uma taxa anualizada de 1,3% no fim de 2001 - a maior queda desde a última recessão (1991). O desemprego saltou para 5,8%, tornando os consumidores ainda mais cautelosos.

Alan Greenspan disse no Senado que já vê sinais de recuperação, mas advertiu: "Continuamos a enfrentar riscos consideráveis no curto prazo".

Além de comprar menos, os consumidores estão desconfiados. Cerca de 65% desejam adquirir apenas o que é produzido no país. É a volta do "Made in America" com força total, reforçando o protecionismo que tanto prejudica quem exporta para os Estados Unidos. Não há dúvida, os humores dos americanos têm implicações profundas para o resto do mundo.

Quanto tempo vai durar esse estado de coisas? Muitos esperam o início da recuperação para o segundo semestre de 2002. Outros só para 2003. Ninguém sabe. Mas uma coisa é certa: as mudanças sociais, quando atingem a intimidade das pessoas, tendem a ser duradouras. A mídia e a propaganda são impotentes para remover o temor, e o dinheiro barato é insuficiente para fazer esquecer a cautela.

Penso que a reversão será demorada, e condicionada a outras mudanças. Os americanos precisam voltar a sentir que estão bem guarnecidos - tanto na segurança individual como no emprego, na renda, nas instituições nacionais e no vigor da economia - ou aprender a viver com uma segurança diminuta em um mundo povoado por mentes irracionais.

O Brasil necessita dessa mudança para garantir as exportações para aquele grande mercado. Buscar outras alternativas de exportação é da máxima urgência. Mas nós também teremos de nos acostumar com os novos humores. Não podemos ter ilusões. A insegurança foi globalizada.