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Publicado em O Jornal da Tarde,29/01/1997

Sono e trabalho

Quantas horas você dorme? Você tem déficit de sono? Isso decorre de excesso de trabalho ou de outro motivo?

Ao longo da história, os seres humanos vêm trabalhando cada vez menos. Entre meados do século 19 e o início dos anos 80, o tempo trabalhado por uma pessoa, durante toda a sua carreira, diminuiu, em média, de 125 mil horas para 69 mil. Foi uma redução fantástica. Hoje em dia, é bem provável, que a referida redução esteja próxima dos 50%.

Você acha que os seres humanos foram dormindo mais na medida em que passaram a trabalhar menos? Não. A vasta maioria dorme menos do que antes.

A privação do sono está atingindo níveis críticos a ponto de perturbar a saúde e o próprio trabalho. Não me refiro a problemas de insônia - que atingem a 17% da população - mas à redução do tempo dedicado ao sono que atinge à grande maioria dos trabalhadores.

Segundo pesquisas mais recentes, a força de trabalho das grandes cidades carrega consigo um déficit de sono, já crônico, da ordem de 20% (Eve van Cauter, University of Chicago Medical Center, 1997). é de espantar!

Além da redução quantitativa, o sono se deteriorou em qualidade. O sono moderno não recompõe as forças como o fazia o sono antigo. Todos nós conhecemos a diferença entre uma noite bem dormida e uma outra mal dormida. Mais até do que a quantidade, a qualidade do sono afeta profundamente a saúde e a produtividade no trabalho.

Para se ter uma idéia da extensão do problema, nos Estados Unidos já existem 1.500 clínicas na área do sono congregadas em uma associação de âmbito nacional, a American Sleep Disorders Association. Como um outro indicador da gravidade do problema, basta citar que a procura por medicamentos indutores do sono tornou-se simplesmente explosiva. Não há quem resista a um anúncio bem feito sobre um remédio que promete um sono melhor. Veja o sucesso da melatonina.

Apesar disso, prevalece nos ambientes de trabalho a noção de que dormir é um sinônimo de preguiça e um sério obstáculo ao sucesso pessoal. Na trepidação dos dias atuais, muitas pessoas chegam a se gabar pelo fato de dormirem pouco. As pesquisas nesse campo, porém, mostram que a redução e a deterioração da qualidade do sono estão trazendo sérios prejuízos ao trabalho e aos indivíduos.

Como explicar, então, que a produtividade do trabalho subiu tanto ultimamente? Isso foi resultado da combinação de mais tecnologia com mais educação, ambas exercidas dentro de organizações mais eficientes. Nas mesmas condições de tecnologia, educação e organização, as pessoas sem déficit de sono, competem melhor e produzem mais.

A redução da quantidade e qualidade do sono é devida a inúmeros fatores. A história registra que os seres humanos dormiam muito mais quando não havia iluminação elétrica; quando as pessoas trabalhavam perto da casa; e quando havia pouca distração noturna. Era um tempo em que o relógio da parede estava articulado com o relógio biológico. Hoje, o homem moderno tenta enganar o relógio biológico razão pela qual, além de dormir menos, dorme mal.

A redução do tempo de trabalho coincidiu com o aumento do tempo do transporte, do lazer e das atividades complementares. O sono, que é um fenômeno biológico, transformou-se num objeto cultural. Os seres humanos terão de reaprender a respeitar melhor a biologia para obterem melhores resultados na economia. Muita coisa pode ser feita através da auto-disciplina. A primeira delas é se convencer que dormir é preciso. Pense nisso. Mas, não exagere. Se você for despedido do emprego, não será culpa minha...